
Davi também passou
por momentos de desalento, desencorajamento e até uma pontinha de depressão.
Uma dessas ocasiões foi quando se escondeu de Saul em uma caverna,
circunstância em que escreveu oSalmo 142: “Salmo didático de
Davi quando ele estava na caverna. Uma oração”. Esse não foi o único salmo
composto nessa ocasião. Entretanto, enquanto no Salmo 57 ele afirma a firmeza
do seu coração (Sl 57.7), no Salmo 142 ele revela sua fraqueza (v.6), seu lamento (v.2) e seu desânimo típico de quem está
cansado e abatido (v.3). Contudo, esse salmo não é uma
declaração de derrota ou de desistência, mas um esperançoso clamor a Deus de um
servo que quer se levantar e seguir seus altos objetivos. Por isso, o salmo age
como um remédio ministrado em quatro porções que ajudaram o
salmista a atravessar o duríssimo momento que viveu.
A primeira porção do
seu remédio foi o acesso a Deus na oração (vv.1,2). Muita gente fica depressiva quando as pessoas ao redor não lhe dão a
devida atenção, nem escutam suas queixas. Muitas vezes, a sensação de solidão é
pior que a própria solidão. Davi teria todas as razões para se sentir assim, já
que as pessoas que precisavam ouvir da sua boca sobre sua inocência não queriam
ouvi-lo. Entretanto, ele recorre a alguém que certamente ouvia sua voz com
clareza e atenção (v.1): “[Com] minha voz eu clamo ao Senhor.
[Com] minha voz eu suplico ao Senhor”. Davi roga a Deus por sua vida na
situação complicada que atravessava, pois, se descoberto na caverna onde
estava, seria um alvo fácil — era um ótimo esconderijo, mas um péssimo lugar
para quem tivesse de fugir dali. É interessante notar que uma das vantagens de
um lugar como aquele é que, além de os fugitivos não serem vistos, também não
são ouvidos. Mesmo assim, ele podia dali clamar a Deus, pois tinha acesso a
ele.
Esse acesso era
baseado em um relacionamento pessoal, pelo que
Davi podia, inclusive, lamentar-se com o Senhor como um filho preocupado e
inseguro o faz com seu pai (v.2a): “Diante dele eu desabafo o meu
lamento”. E o Senhor está atento ao sofrimento dos seus servos. Por isso, Davi,
em suas orações, abria seu coração diante de Deus e lhe narrava seus
sofrimentos (v.2b): “Diante dele eu relato o meu momento
crítico”. Não que Deus não soubesse o que estava ocorrendo, mas, sim, porque é
da sua vontade que o busquemos nas aflições, conforme explica o apóstolo: “Não
andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam conhecidas, diante de
Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica, com ações de graças” (Fp 4.6). Fazer isso foi a primeira dose do remédio para a depressão do
salmista.
A segunda porção foi a certeza do cuidado de Deus (v.3,4). Não se engane: a situação era extremamente crítica. O risco que Davi
corria com seus homens dentro daquela caverna era comparado ao risco de um
animal desavisado que anda entre armadilhas invisíveis e mortais (v.3b): “No caminho por onde eu passo eles esconderam uma armadilha para mim”.
Para piorar, ninguém se levantava contra Saul para acusar-lhe o crime e a
injustiça para com seu bom servo Davi. Seus antigos amigos, temerosos de que o
rei se voltasse contra eles também, se calavam e demonstravam um desinteresse
egoísta em relação ao salmista (v.4): “Olha à minha
direita e vê: Não há quem se importe comigo; não tenho para onde escapar; não
há quem se interesse por mim”. Olhando para isso, dá para perceber que Davi não
se sentia acuado apenas pela falta de esconderijos geográficos, mas pela falta
de amigos que lhe abrigassem. Não é sem razão que o início do v.3 expressa o grande desânimo que ele estava sentindo naquele momento. Como
uma pessoa desanimada tende a tornar-se descuidada — muitos até desistem de
tudo —, Davi mantinha seu ânimo baseado no fato de que Deus não apenas escuta
seus servos, mas os protege quando estão nessas circunstâncias (v.3a): “Ao desanimar em mim o meu espírito, tu cuidas do meu caminho”. Saber
disso foi uma dose fundamental para ele resistir ao desespero.
A terceira porção foi a noção do poder de Deus (vv.5,6). Vários pacientes ficam curados simplesmente por acreditar no efeito
de um remédio, mesmo que ele apenas pareça uma medicação — os médicos chamam
isso de “efeito placebo”. Se isso vale para um tratamento aparente, imagine
como age a noção do poder que tem o Senhor soberano. É claro que isso só serve
para quem conhece a Deus de fato, mas o salmista, sendo um servo de Deus de
verdade, era uma dessas pessoas. Por isso, ainda que estivesse no melhor
refúgio que pode encontrar, sua confiança última estava apontada para Deus e
não para as entranhas de uma montanha (v.5a): “Ó Senhor, eu
clamo a ti, dizendo: ‘Tu és o meu refúgio”. Não importava qual fosse o tamanho
do exército de Saul: Deus era forte o suficiente para proteger o servo. E não
somente isso: era poderoso para devolver a Davi tudo que havia perdido, de modo
que a garantia de que voltaria às suas posses estava no poder que há no
soberano Deus, pelo que assim se refere ao Senhor (v.5a): “És a minha herança na terra dos viventes’”.
Muitos métodos de
autoajuda buscam fazer com que seus pacientes olhem para dentro de si e busquem
sua força interior. Fazem com que eles acreditem em si, recordando de coisas
boas que fizeram no passado, levando-os a crer que podem atingir tudo que
quiserem. Fazem com que repitam para si: “Sim, eu posso!”. Contudo, suas forças
e habilidades continuam iguais, assim como as lutas e sofrimentos. Davi seguiu
outro caminho. Em lugar de buscar forças em si e de acreditar que podia superar
o inimigo, ele reconheceu sua fraqueza e, reconhecendo-a, foi em busca daquele
a quem sabia ser onipotente e mais forte que qualquer circunstância (v.6): “Atende o meu clamor, pois estou muito desfalecido. Livra-me dos meus
perseguidores, pois eles são mais fortes que eu”. A frase “estou muito
desfalecido” também pode ser traduzida como “estou extremamente esgotado”. Esse
reconhecimento fez com que ele se lançasse nos braços do Senhor, com plena
confiança de que seu poder é ilimitado e que ele o usa no benefício dos seus.
Apenas saber disso faz com que, pela fé, qualquer esgotamento comece a ceder.
A última porção do remédio
que o ajudou a atravessar o momento duríssimo foi a intenção
de servir a Deus (v.7). Davi não entregou os pontos, nem
ficou culpando o Senhor por suas desventuras, usando isso por pretexto de se
descomprometer de seguir o caminho de Deus e de lhe cumprir a vontade. Ao
contrário, um fator que o ajudou foi manter acesa a chama do seu desejo de
lutar na causa divina. Assim, seu desejo era sair dali vivo e anunciar as
grandezas do Senhor, tornando a desventura em ocasião de testemunho (v.7a): “Faze com que eu saia da prisão para que eu [possa] proclamar o teu
nome”. Se seu primeiro objetivo é anunciar a Palavra de
Deus, seu segundo intento é buscar santificação. Por isso, ele declara ao
Senhor que, livre da caverna e da perseguição — ao que ele chamou de “prisão”
—, ele faria todo o necessário para conviver com pessoas tementes a Deus, os
“justos”, diferente de Saul que, assessorado por homens maus, agia plenamente
conforme sua própria maldade (v.7b): “Os justos me
rodearão quando tu me beneficiares”. Deve-se observar que Davi não fala disso
como uma simples contingência na sua história, mas como um objetivo a ser
perseguido e produzido em zelo perante o Senhor. Desse modo, a manutenção
desses objetivos de vida agiram como a dose final para o desespero que sentiu na
escuridão de uma caverna.
Muitos crentes hoje
em dia vivem desesperados e depressivos. Muitas vezes, isso ocorre por razões
egoístas, orgulhosas, mesquinhas e de incrível falta de contentamento e
gratidão. Mas, em outras, tudo se deve à dureza dessa vida e aos ataques dos
inimigos dos servos do Senhor. Infelizmente, enquanto consultórios se enchem de
crentes sem esperança, poucos olhos se voltam para as verdades de Deus em sua Palavra e para o amor e comunhão que há por
meio de Jesus. Quem dera os crentes confiassem e buscassem mais a Deus! Quem
dera mantivessem vivos seus objetivos e responsabilidades no corpo de Cristo!
Seu desânimo se esmigalharia em centenas de pedaços.
Pr. Thomas Tronco
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