domingo, 13 de dezembro de 2015

A MORTE DA RAZÃO

O livro A morte da Razão – Francis Schaeffer, nos trás um ensinamento que para nós no século XXI, as pessoas continuam buscando sobreviver psicologicamente, valorizando a emoção e a experiência, em virtude de uma inaptidão mental. O mundo de hoje conhece bastante, comunica-se muito, porém, relaciona-se pouco e infelizmente, reflete e compreende pouquíssimo. Entre outras palavras, as coisas de hoje não precisam ter significado, basta apenas ter função estética e emocional. Na nota do editor, Schaeffer faz uma comparação com a sociedade atual com a maneira de usar uma calça jeans. A calça jeans rasgada era usada no passado como uma forma de protesto contra a sociedade comunista (por parte dos integrantes do movimento punk). Com o passar do tempo, essa idéia de calça rasgada foi acatada pela indústria cultural e de consumo, passando a ser um padrão estético. Essa maneira de usar calça jeans rasgada atualmente de “forma não pensada”, é explicada por Schaeffer como “morte da razão”.
A Igreja Cristã tem como sua responsabilidade não apenas conhecer os princípios básicos da sua fé à luz das escrituras, mas de aplicar esses princípios à realidade da geração que se encontra em seu presente século.
Schaeffer diz que a origem do homem moderno pode ser atribuída em diversos períodos, mas o seu ponto de partida foi Tomás de Aquino (1225-1274), através da discussão entre “natureza e graça”. Antes de Tomás de Aquino, dava-se fortíssima ênfase às coisas celestes, representadas por símbolos, com pouco interesse na natureza como tal. Segundo Schaeffer, desde os tempos de Tomás de Aquino, e por muitos anos a seguir, houve empenho constante em estabelecer uma unidade da graça e da natureza, bem como a esperança de que a racionalidade tinha de dizer algo a respeito de uma e de outra. Do ponto de vista bíblico, a natureza é importante porque foi criada por Deus; por isso, não deve ser menosprezada do mesmo modo, não devem ser menosprezadas as coisas do corpo, quando comparadas às da alma. Se olharmos para esse pensamento entre natureza e graça e, desprezarmos um e passarmos a dar mais importância ao outro, estaríamos desprezando a Deus que o criou.
Para Schaeffer a vontade humana está caída e não seu intelecto. O intelecto humano tornou-se autônomo. No ponto de vista bíblico, Tomás de Aquino explica que esse resultado traz uma espécie de teologia natural. Mas o que seria essa teologia natura? Teologia natural é uma teologia que pode ser formulada independentemente das Escrituras. Com base nesse princípio, a filosofia também tornou-se livre e separou-se da revelação. Portanto, a filosofia começou a criar asas e passou a voar para onde queria deixando à margem as Escrituras. A associação entre teologia, filosofia e arte emergiu de diversas maneiras após Tomás de Aquino.
Essa tendência também passou a ser adotada através da arte. Schaeffer menciona alguns artistas como Cimabue (1240-1302), mestre de Giotto (1267-1337). Esses artistas passaram a pintar natureza como natureza, em vez de mencionar os motivos da arte e também passaram a pintar como espécie de símbolos, ou seja, essa obra representa tal coisa.
O princípio vital a se notar segundo Schaeffer era que à medida que a natureza se fazia autônoma, passava a “devorar” a graça. A natureza libertou-se de Deus à medida que os filósofos humanistas começaram a operar cada vez mais à vontade. Quando a renascença chegou ao seu clímax, a natureza havia devorado a graça. Quanto ao problema da unidade, a reforma deu resposta totalmente oposta à da Renascença. Mas qual foi a resposta que a Reforma então deu? A Reforma sustentou que a raiz da dificuldade brotava do velho e crescente Humanismo cultivado na Igreja Católica Romana e do conceito incompleto de Queda na teologia de Tomás de Aquino, que contemplava o homem como autônomo, livre. A reforma aceitou a noção bíblica de uma Queda total, absoluta e o homem em sua totalidade era obra de Deus, mas que agora é decaído em toda a sua natureza. Já que a teologia natural diz que não precisamos das escrituras, na Reforma o conhecimento final residia na Bíblia. Referente a salvação, Schaeffer diz que não existia nenhuma idéia que o homem fosse autônomo na área da Salvação, uma vez que, somos salvos com base na obra consumada de Cristo, quando morreu no espaço e no tempo na história, e o único meio de se obter a salvação é elevar as mãos vazias da fé e, pela graça de Deus, aceitar o dom gratuito de Deus – a fé somente. Essa resposta da Reforma nos mostra que não existe divisão entre as duas áreas. Não há divisão no conhecimento normativo final – por um lado, entre o que a Igreja ou a teologia natural diriam e o que a Bíblia afirma; nem, por outro lado, entre o que a Bíblia e os pensadores racionalistas categorizariam. A bíblia oferece a chave para dois tipos de conhecimentos: o conhecimento de Deus e o conhecimento do homem e da natureza. O que Deus revelou a seu respeito e o que o homem pode saber de si mesmo estão escritos nas Escrituras. Entre outras coisas, conhecemos sua origem e quem o homem é – criado a imagem de Deus. O homem é maravilhoso não apenas quando é “nascido de novo” como cristão, mas também pelo fato de Deus tê-lo feito à sua própria imagem. O homem tem valor e dignidade em função daquilo que foi originalmente, antes da Queda. A Bíblia diz que você é maravilhoso porque é feito à imagem de Deus e degradado porque, em um determinado ponto no espaço e no tempo da história, o ser humano caiu. O que a Reforma nos diz, então, é que Deus falou nas Escrituras tanto sobre o “andar de cima” quanto no “andar de baixo”. O ensino bíblico também se opõe ao platônico, segundo o qual a alma é muito mais importante, e que o corpo é menos importante.
A ciência exerceu papel de grande destaque na situação em termos delineado. J. Robert Oppenheimer, apesar de não ser cristão, afirmou que o Cristianismo era necessário para o começo da ciência moderna, pelo simples fato que o Cristianismo colocou o homem em posição de investigar a forma do Universo. Jean-Paul Sartre (1950-1980) afirmou que a grande questão filosófica é que algo existe e não que nada existe. Não importa o que o homem pensa, ele tem que se haver com o fato e o problema de que há algo que realmente existe. O Cristianismo oferece uma explicação do porquê dessa existência objetiva. Em outras palavras, para Schaeffer algo existe realmente, para se pensar, com que tratar e para investigar, revestido de uma realidade objetiva. Os primeiros cientistas tiveram a mesmas perspectivas geral de Francis Bacon: “O homem, pela Queda, decaiu ao mesmo tempo do estado de inocência e do domínio sobre a natureza. Ambas as perdas, entretanto, podem ser reparadas em parte mesmo nesta vida – a primeira, pela religião e pela fé; a segunda, pelas artes e pelas ciências”.
Após o período Renascença-Reforma, o estágio crucial imediato foi atingido na época de Kant (1724-1804) e Rousseau (1712-1778). A ciência naturalista torna-se muito grande – um inimigo esmagador. Começa-se a perder a liberdade. Daí, os homens que ainda não são realmente modernos e, por isso, ainda não aceitaram o fato de que são meras máquinas, começaram a abominar a ciência. Anseiam por liberdade, ainda que essa liberdade não se revisa de real sentido, e assim a liberdade autônoma e a máquina autônoma se defrontam, face a face.
Que é a liberdade autônoma? É a liberdade em que o indivíduo é o centro do universo. Liberdade autônoma é a liberdade sem restrições. Para a formação do homem moderno, até essa data, as escolas de filosofia do Ocidente, a partir da era dos gregos, tinham três princípios: o primeiro é que eram todas racionalistas. O Segundo, todos criam no racional. O terceiro era o que sempre sonharam os pensadores, construir um todo unificado de conhecimento.
Os cientistas dos primórdios criaram na uniformidade das causas naturais. O que eles não aceitavam era a uniformidade das causas naturais em um sistema fechado. Essa pequena expressão faz, entretanto, uma diferença enorme – diferença entre a ciência natural e uma ciência que tem suas raízes na filosofia naturalista. Faz toda a diferença no que eu chamo de ciência moderna e o que eu chamo de moderna na ciência moderna. É importante enfatizar que isso não é uma falha na ciência como ciência. Antes, é devido ao fato de a uniformidade das causas naturais em um sistema fechado ter-se tornado filosofia dominante entre os cientistas.
Leonardo da Vinci compreendeu o rumo que as coisas estavam tomando. Como vimos, ele percebeu que se começarmos racionalisticamente com a matemática, tudo o que se alcançará são particulares, e então veremos tudo reduzido à expressão da mecânica. Tendo compreendido isto, ele se apegou à busca do universal. Entretanto, na fase em que chegamos agora em nosso estudo, o “andar inferior” autônomo devorou inteiramente o “andar superior”. Os modernos cientistas modernos insistem na unidade total dos dois andares, com o consequente desaparecimento do andar “superior”. Nem Deus nem liberdade subsistem aí – tudo está na máquina.
Uma coisa para se notar cuidadosamente sobre os homens que tomaram essa decisão – e, com isso, atingimos o tempo presente – é que eles ainda insistem na unidade do conhecimento. Eles ainda seguem o ideal clássico da unidade. Qual, porém, é o resultado desse anseio por um campo unificado? Vemos que eles incluem em seu naturalismo não mais apenas a física; também a psicologia e as ciências sociais estão agora incorporadas à máquina. Eles afirmam que deve haver unidade, não divisão. Entretanto, o único modo de se atingir unidade nessa base é excluindo simplesmente a liberdade. O resultado de se buscar uma unidade com base na uniformidade das causas naturais em um sistema fechado é que não mais existe liberdade. A realidade é que o próprio amor já não existe, o mesmo ocorrendo com o sentido, na velha acepção desejada pelo homem em relação a significado.
A lição é esta: quando se quer fazer tal dualismo e começas a estabelecer uma seção autônoma embaixo, o resultado é que o inferior devora o superior. Isso tem ocorrido, vez após vez, nos últimos séculos. Se tentarmos manter artificialmente as duas áreas separadas e sustentar como autônoma apenas uma delas, logo a autônoma engolirá a outra.
Encontramos também na moderna moralidade moderna, um homem chamado Marquês Sade (1740-1814) que era autor de livros pervertidos. Todos os escritores niilistas “obscuros”, os autores de protestos e revolta, voltavam-se para Sade. Por quê? Não apenas porque ele era um autor pervertido ou porque ensinou esses autores a utilizar a literatura erótica ou sensual como veículo de ideias filosóficas, mas porque, basicamente, era um determinista químico. Sade percebeu a direção em que as coisas estavam tomando e suas conclusões foram: se o homem é determinado, então, o que é, é certo; se a vida como um todo é apenas um mecanismo – se isso é tudo o que há -, então a moral não importa; a moral torna-se apenas uma palavra para designar uma expressão sociológica; ela torna-se apenas um meio de manipulação utilizado pela sociedade no meio da máquina; a essa altura, moral é apenas uma palavra de conotação semântica para os que não tem moral; o que é, é certo.
Antes de Hegel (1779-1831), toda a pesquisa filosófica se havia processado mais ou menos assim: alguém fizera esforços para elaborar um currículo que contivesse o todo do pensamento e da vida; o pensador seguinte disse que essa não era a resposta e que ele próprio formularia a verdadeira expressão que se tinha em vista; então, após este surgiu outro, proclamando: “Meus predecessores falharam, mas eu darei a solução”; o que apareceu depois disse: “Não é assim, de jeito nenhum. A verdade é esta”; e o seguinte exclamou: “Não!”. Não é de estranhar que o estudo da história da filosofia não produza alegria esfuziante!
Partindo de pressupostos racionalistas, nessa época os andares superiores e inferior tinham chegado a um estado de tensão tão grande que se encontravam chegado a um estado de separar grandemente. Kant e Hegel são o portal para o homem moderno.
Que disse Hegel? O pensamento filosófico humanista tentara apegar-se ao racionalismo, à racionalidade e a um campo unificado, mas falhara, não lograra êxito. Logo, concluiu ele, temos de procurar outra maneira de enfrentar o problema. O efeito em longo prazo dessa nova forma de abordagem proposta por Hegel tem sido que os cristãos da atualidade não entendem os seus filhos. O que Hegel mudou foi algo mais profundo do que simplesmente uma resposta filosófica em lugar de outra.
O que Hegel propôs foi o seguinte: Não mais pensemos em termos de antítese; pensemos, antes, em função de tese e antítese, sendo que a resposta constitui sempre uma síntese. Procedendo assim, ele mudou inteiramente a contextura do mundo. A razão por que os cristãos não entendem seus filhos é que estes não mais pensam nos moldes em que pensam seus pais. Não é que eles simplesmente chegam a respostas diferentes. A metodologia se alterou.
É verdade que Hegel geralmente é classificado como um idealista. Ele nutria a esperança de uma síntese que estivesse, de certo modo, alguma relação com a razoabilidade. Entretanto, ele abriu a porta àquilo que é característico do homem moderno. A verdade como tal passou, e a síntese (o tanto-como), com seu relativismo, impera.
A posição básica do homem em rebelião contra Deus é que o homem está no centro do Universo e é autônomo; nisso reside a sua rebeldia. Ele manterá seu racionalismo e sua rebelião, sua inconsistência na autonomia total ou em áreas parcialmente autônomas, mesmo que isso signifique abrir mão da racionalidade.
O personagem que vem depois de Hegel, Kierkegaard (1813-1855), é o real homem moderno, porque aceitou o que Leonardo e os demais haviam rejeitado. Ele abandonou a esperança de um campo unificado do conhecimento.
Kierkgaard trabalha numa linha de pensamento que Schaeffer chama de Desespero. Que Desespero é esse? É a resultante perda da esperança de uma resposta unificada ao conhecimento e a vida. O homem moderno continua a se apegar ao racionalismo e à revolta autônoma que o caracterizam, embora para agir assim ele tenha de abrir mão de qualquer esperança racional de uma resposta unificada. No período precedente, os homens de cultura não desistiam da racionalidade e da esperança de um campo unificado de conhecimento. O homem moderno, porém, abandonou totalmente a esperança da unidade e vive em desespero – o desespero de não mais pensar que aquilo que tem sido sempre a aspiração dos homens seja algum modo possível.
Após Kierkgaard, a situação pode ser resumida no seguinte. Abaixo da linha, há racionalidade e lógica. O andar superior abriga o não lógico e o não racional. Não há relacionamento entre os dois níveis. Em outras palavras, no andar inferior, com base na razão, o homem está morto. O homem não tem significado, não tem propósito, não tem sentido. Há apenas pessimismo quanto ao homem como homem. Mas em cima, com base num salto não racional, não razoável, há uma fé não racional que dá otimismo. Essa é a dicotomia do homem moderno.
Com base em toda razão, o homem é destituído de significado. No que concerne à racionalidade e à lógica, o homem sempre foi morto. Foi uma esperança vã o homem pensar que não estava morto.
É isso que significa dizer que o homem está morto. Não quer dizer que ele vivia e morreu. Ao contrário, ele sempre esteve morto, mas faltava-lhe suficiente conhecimento para se reconhecer morto.
De Kierkegaard, procedem duas extensões: o existencialismo secular e o existencialismo religioso.
O existencialismo secular divide-se em três correntes principais, apresentadas por Jean-Paul Sartre (1905-1980) e Camus (1913-1960), na França; Karl Jaspers (1883-1969), na Suíça, e Heidegger (1889-1976), na Alemanha. Em primeiro lugar, Jean-Paul Sartre. Racionalmente, o universo é absurdo, e o homem deve buscar autenticar-se a si mesmo. Como? Mediante um ato de vontade. A dificuldade, entretanto, é que a autenticação não tem conteúdo racional ou lógico – todas as direções de um ato de vontade são iguais.
Em segundo lugar, Karl Jaspers. Ele é fundamentalmente um psicólogo e fala de uma “experiência final”, isto é, uma experiência de tal modo que proporciona a certeza de que você existe e uma esperança de significado – embora, racionalmente, não lhe seja possível auferir tal esperança. O problema que afeta essa “experiência final” é que, por ser totalmente separa do que é racional, não há meio de comunicar seu conteúdo nem a outra pessoa nem a você mesmo!
Em terceiro lugar, temos o que Heidegeer chama de Angst. Angst não é medo, simplesmente, pois o medo tem um objeto. Angst é um vago senso de temor – a sensação desagradável que se tem quando se entra em uma casa supostamente mal-assombrada. Heidegeer afirmou tudo nessa espécie de ansiedade básica. Portanto, os termos pelos quais se expressa o andar superior não fazem diferença alguma. A base desse sistema reside no salto. A esperança está separada do andar inferior racional.
Os existencialistas apegaram-se mais a um conceito clássico de filosofia, em que lidam com as grandes questões, mas o fazem aceitando inteiramente a dicotomia entre racionalidade e esperança.
O que faz do indivíduo um homem tipicamente moderno é a existência dessa dicotomia, não as múltiplas coisas que, com um saldo, ele coloca no andar superior. Não importa que expressão ele coloque ali, secular ou religiosa; é tudo a mesma coisa, se fundamenta nessa dicotomia. É isso que separa e distingue o homem moderno, por um lado, do homem da Renascença, que alimentava a esperança de uma unidade humanista, e, de outro, do homem da Reforma, que possuía, na realidade, uma unidade racional acima e abaixo da linha baseada no conteúdo da revelação bíblica.
O mesmo quadro geral que emerge o existencialismo secular está presente no sistema de Karl Barth e nas novas teologias que têm projetado e estendido o seu sistema. Não há intercâmbio racional acima e abaixo da linha. Barth admitiu as teorias da Alta Crítica, de sorte que, a seu ver, a Bíblia contém erros, mas a nós cumpre crer nela assim mesmo. A “verdade religiosa” separada e distinta da verdade histórica das Escrituras. Assim, não há lugar para a razão e nem ponto de verificação. Isso constitui o salto em termos religiosos. Tomás de Aquino abriu a porta para o homem independente no andar inferior, para uma teologia natural e uma filosofia que eram autônomas em relação às Escrituras. Isso levou, no pensamento secular, à necessidade de depositar finalmente a esperança toda em um andar superior não racional. De modo semelhante, na teologia neo-ortodoxa resta ao homem a necessidade de dar o salto, porque como homem integral nada se pode fazer na área do racional na busca de Deus. Na teologia neo-ortodoxa o homem é menos do que a criatura decaída do conceito bíblico.
A Nova Teologia parece levar vantagem sobre o existencialismo secular, ao fazer uso das palavras que se revestem de fortes conotações, arraigadas que estão na memória da raça; são termos como “ressurreição”, “crucificação”, “Cristo”, “Jesus”. Essas palavras dão uma ilusão de comunicação. E a importância desses vocábulos para os teólogos novos está exatamente nessa ilusão de haver comunicação, acrescida da reação altamente motivada que os indivíduos demonstram com base na conotação dos termos. Essa é a vantagem da Nova Teologia sobre o existencialismo secular e os modernos misticismos seculares.
Vimos que desde Rousseau se estabeleceu a dicotomia entre natureza e liberdade. A natureza passou a representar o determinismo, a máquina, com o homem na desesperada situação de ser absorvido pela máquina. Então, no andar superior, vemos o homem lutando pela liberdade, que era buscada como absoluta, sem limitações. Não existe Deus, nem mesmo um universal a limitar o homem, de sorte que o indivíduo procura expressar-se com total liberdade; ao mesmo tempo, porém, ele sente a condenação de ser absorvido pela máquina. Essa é a tensão do homem moderno.
O campo da arte oferece vasta variedade de ilustrações dessa tensão, que por sua vez, proporciona uma explicação parcial para o fato curioso de que muito da arte contemporânea, como expressão própria do que é o homem em si mesmo, é feia.
Algumas consequências de se lançar a fé contra a racionalidade em linhas que não refletem a perspectiva bíblica podem ser enunciadas nos termos a seguir.
A primeira consequência é colocar o Cristianismo no andar superior diz respeito à moral. Surge a questão de como estabelecer um relacionamento de um Cristianismo no andar superior em termos de moral na vida cotidiana. A resposta simples é que isso não é possível.
A segunda consequência dessa dissolução é que não se tem uma base adequada para o direito, para a lei. O sistema da Reforma era totalmente calcado no fato de que Deus revelara algo real na própria essência das coisas comuns da vida.
Há duas coisas que precisamos apreender firmemente no esforço de comunicar o evangelho na atualidade, quer estejamos falando a nós mesmos, a outros cristãos ou àqueles que estão totalmente do nosso círculo.
Há certos fatos imutáveis e verdadeiros. Esse fato requer ênfase, porque há cristãos evangélicos em nossos dias com toda sinceridade, estão preocupados com sua falta de comunicação, mas no ofã de preencher o vácuo tendem a mudar o que deve permanecer inalterado. Se assim procedermos, não mais estaremos comunicando o Cristianismo, e o que final restará não será muito diferente do consenso que nos cerca.

Concluímos, pois, afirmando que o que se diz neste livreto não é uma simples matéria de debate intelectual. É assunto decisivamente crucial para aqueles dentre nós que nutrem o sério propósito de comunicar o evangelho cristão neste século 21.

sábado, 31 de outubro de 2015

AGOSTINHO DE HIPONA: VIDA E OBRA

Aurélio Augustinus (Santo Agostinho) nasceu em Tagaste, província romana de Numídia na África (hoje chamada Souk-Ahrás, na atual Árgélia, norte da África), em 13 de novembro de 354.
Seu pai, Patrício, um conselheiro municipal de Tagaste, era um pagão que se converteu ao cristianismo pouco antes de morrer, em 371. Sua mãe, Mônica (Santa Mônica), cristã fervorosa, teria um papel marcante na vida de Agostinho. Além de Agostinho, Patrício e Mônica tiveram mais dois filhos: Navígio, que morreu ainda jovem, e um a irmã, Perpétua (Santa Perpétua), que depois de enviuvar, entrou para vida religiosa, chegando a ser superiora de convento feminino no agostiniano.
Em Tagaste, Agostinho recebeu seus primeiros estudos de gramática, aritmética, latim e um pouco de grego, língua esta que nunca chegou a dominar bem.
Em 365, com 11 anos de idade, foi enviado a Madaura, uma cidade maior, para estudar educação geral. Ali, Agostinho logo começou a brilhar entre seus colegas, e os mestres prediziam-lhe um futuro brilhante. Em contrapartida, sua conduta moral foi, aos poucos, decaindo, na busca de prazeres mundanos.
No início de 370, Agostinho concluiu os estudos e tornou a Tagaste. Ali continuou sua vida de desfrutes, praticando uma série de desmandos junto com outros jovens, como, por exemplo, o famoso “roubo das peras” narrado por ele nas Confissões. Foi naquela época que iniciou, e manteve até os trinta anos, um romance com uma mulher, com a qual, em 372, veio a ter um filho – Adeodato.
Em fins de 370, com 16 anos de idade, depois de quase uma no de ociosidade e vícios, foi enviado a Cartago, capital de Numídia, para fazer seus ensinos superiores.
Com 19 anos, em meio aos seus estudos em Cartago, conheceu e leu a obra Hortensius, de Cícero. Neste livro, o velho atributo, desiludido das ambições políticas, volta-se para a filosofia e exprime suas alegrias na busca das verdades eternas. Esta obra despertava-lhe o gosto pela filosofia, amor intenso pela verdade.
O livro de Cícero foi uma espécie de revelação que o levou a defrontar-se com as verdades eternas. Verdades estas que o perturbariam até sua conversão definitiva ao cristianismo. Entretanto, naquele momento, o supracitado livro ainda não foi capaz de acalmar seu inquieto coração, pois, por mais que tivesse se desviado da religião cristã, seu coração fora marcado pelas palavras de Cristo, pronunciadas por sua mãe. Por isso, nas confissões, Agostinho, ao ler a obra de Cícero, lamenta não ter encontrado nela o nome de Cristo: “Uma coisa me magoava no meio de tão grande orador: não encontrar aí o nome de Cristo” (Conf., III, 4).
Na ausência do nome de Cristo no Hortensius levou Agostinho a procurar a Bíblia, fato que o deixou decepcionado, pois, diante da majestade da obra de Cícero, a Bíblia parecia indigna e modesta: “A sua simplicidade repugnava ao orgulho, e a luz da minha inteligência não lhe penetrava no íntimo” (Conf., III, 5).
Depois da experiência frustrada da leitura da Bíblia, na angústia de encontrar a verdade, Agostinho foi procurar estar em outros lugares. Foi aí que entrou para a seita gnóstica dos maniqueus, onde permaneceria por nove anos (374-383).
De certa forma, o maniqueísmo respondia, pelo menos num primeiro momento, às grandes preocupações de sua vida: encontrar uma explicação ou justificativa para seus erros e contradições, a força que o impulsionava a praticar o mal.
O maniqueísmo era uma seita filosófico-religiosa que se originou na Pérsia, fundada por Mani, que misturava doutrinas do Zoroastro com o cristianismo. Sua tese fundamental consistia em afirmar a existência de dois princípios ontológicos coeternos, criadores do Bem e do Mal, que continuaram em luta no mundo. Trazendo isso para a prática, o maniqueísmo afirmava que o mal que está em nós, ou que cada um pratica, não é por responsabilidade própria, mas por culpa do princípio do mal.
Em Cartago, Agostinho fez um grupo de amigos que formavam a base de sua escola, com quem discutia questões filosóficas. Dessas discussões nasceu seu primeiro livro, De Pulchro et apto (Sobre o belo e o conveniente). É a única obra de Agostinho que se perdeu no tempo.
A partir das leituras dos filósofos gregos e latinos (vistos no curso de Cartago), as respostas maniqueias já não satisfaziam mais Agostinhos. A desilusão instalou-se no seu coração, que não abandonaria definitivamente o maniqueísmo, mas entraria, aos poucos, numa base de ceticismo.
Em 383, aos 29 anos de idade, atraído pela possibilidade de maiores lucros e honras resolve transferir-se para Roma, onde abriria uma escola de retórica. Em pouco tempo, conseguiu fama de orador, tendo sido procurado por várias autoridades, dentre elas Símaco, prefeito da cidade que viria a ter grande admiração por ele.
No ano seguinte, foi convidado por Símaco a ocupar o cargo de orador e professor (rector) da corte imperial. Tendo aceitado o convite, no verão de 384 Agostinho partiu para Milão como funcionário público, onde foi recebido pelas autoridades imperiais, intelectuais e eclesiásticas com grande simpatia e curiosidade.
Milão florescia como uma cidade brilhante. Para lá acorria uma legião de poetas, escritores, oradores e filósofos. A filosofia grega ganhava ali seus adeptos entre os leigos e o clero, especialmente o neoplatonismo, que dominava o ambiente cultural. O catolicismo era importante na cidade. O bispo da cidade, Ambrósio, pronunciava sermões eruditos, elaborados segundo a tradição neoplatônica.
Atraído pela fama de orador do Bispo Ambrósio, Agostinho resolveu ouvi-lo, no início, não pela fé, mas pela curiosidade. As pregações de Ambrósio não levaram, de imediato, Agostinho à Igreja Católica, mas lançaram luz sobre sua alma e, aos poucos, foram acabando com as dúvidas dos seus tempos de maniqueísmo e ceticismo.
Em Milão, pressionado pela nova condição social, Agostinho resolveu casar-se, chegando a pedir a mão de uma jovem de família rica. Entretanto, segundo o próprio Agostinho, o enlace não foi possível, pois “faltavam-lhe [...] quase, dois anos para chegar à idade núbil” (Conf., VI, 13). Sentindo-se traída por Agostinho ter pedido a mão de uma jovem em casamento, sua concubina resolveu abandoná-lo e voltou para a África, e deixando com este seu filho Adeodato.
Em Milão, aos 32 anos, além de Ambrósio, Agostinho conheceu Mânlio Teodoro, personalidade política, que chegou ao cargo de cônsul. Era um homem culto, amante da filosofia neoplatônica. Através dele, leu as Enéadas, de Plotino, traduzidas do grego para o latim por Mário Vitorino.
Através das leituras de Plotino, Agostinho descobriu que Deus é a fonte única de todo bem e que o mal não forma uma substância. Bem como o nous, ou razão natural, remonta ao logos do Evangelho de São João. Foi um importante passo para que Agostinho vencesse seu materialismo rumo a uma especulação filosófico-religiosa.
As leituras neoplatônicas lançavam grandes luzes no coração de Agostinho. Este resolveu procurar Ambrósio, em cujos sermões ouvira falar, muitas vezes, do Plotino. Depois de uma longa conversa, o bispo o aconselhou a procurar Simpliciano, um cristão exemplar que poderia trazer-lhe as respostas que precisava.
Ao procurar Simpliciano, Agostinho contou-lhe que havia lido os escritos neoplatônicos e revelou suas insatisfações. Ele reforçou os méritos dos platônicos, mas chamou a atenção para seus enganos racionais. Em contrapartida, para tal, exalta a necessidade da humidade e redenção divina. E conta-lhe acerca da recente conversão de Mário Vitorino, como exemplo de humildade cristã.
O relato da conversão de Vitorino comoveu Agostinho, como ele mesmo declarou: “Logo que vosso servo Simpliciano me contou tudo isto de Vitorino, imediatamente ardi em desejos de imitá-lo” (Conf., VIII, 5). No final da conversa, Simpliciano aconselhou Agostinho as Sagradas Escrituras, especialmente as cartas paulinas: “Por conseguinte, lancei-me avidamente sobre o venerável estilo (da Sagrada Escritura) ditado pelo vosso Espírito, preferindo, entre outros autores o Apóstolo São Paulo [...]. Comecei a lê-los e notei que tudo o que de verdadeiro tinha lido nos livros platônicos se encontravam naqueles [...]. Com uma grande diferença: os livros platônicos, ao identificarem o Verbo de Deus, ou logos, com o nous, ou razão, esqueciam de dizer que o ‘Verbo se fez homem e habitou entre nós’ (Jo 1,13)” (Conf., VII, 21).
A partir da conversa com Simpliciano, Agostinho passou a viver o dilema entre servir a Deus, a exemplo de Vitorino, ou continuar sua vida devassa. Conflito este que se agravaria até o momento de sua conversão e que se caracterizava pelo que ele chamou de “luta entre duas vontades”: “A vontade de nova que começava a existir em mim, a vontade de vos honrar gratuitamente [...] ainda não se achava apta para superar a outra vontade, fortalecida pela concupiscência [...]. Eu estava certo de que entregar-me ao vosso amor era melhor que ceder ao meu apetite. Mas o primeiro agradava-me e vencia-me; o segundo aprazia-me e encadeava-me [...]” (Conf., VIII, 5).
Outro acontecimento importante para a conversão de Agostinho fora o encontro com Ponticiano, um cristão fiel e compatriota africano que exercia um alto cargo no palácio, que viera visitar Agostinho e que, ao chegar em sua casa, falou acerca da vida de Santo Antão – um monge do Egito até então desconhecido por Agostinho e seus amigos – e de seus seguidores. A narrativa de Ponticiano levou Agostinho a comparar a vida dos jovens que seguiram Santo Antão e a sua, e isso aumentou ainda mais a sua angústia e seu conflito interior: “Quanto mais amava aqueles jovens, de quem ouvia contar salutares exemplos, tanto mais execravelmente me odiava, ao comparar-me com eles [...]. Vós, Senhor, enquanto ele falava, me fazíeis refletir sobre mim mesmo [...]. Vós me colocáveis a mim mesmo diante de mim, e me arremessáveis para a frente de meus olhos, para que, ‘encontrando a minha iniquidade, a odiasse’. Conhecia-a, mas fingia que não via, procurando esquecê-la [...] Vós me colocáveis perante o meu rosto, para que visse como andava torpe, diforme, sujo, manchado e ulceroso. Via-me e horrorizava-me; mas não tinha por onde fugir [...]. Assim me roía interiormente, confundindo-me com horrível e acentuada vergonha, enquanto Ponticiano falava (Conf., VIII, 7).
Terminada a narrativa, Agostinho ficaria profundamente perturbado, sua alma recusava-se a escusar, “tinha medo, como de morte, de ser desviada da corrente de vícios em que ia apodrecendo mortalmente” (Conf., VIII, 7). Depois de discutir com Alípio sobre o que ouviram Agostinho, perturbado, retirou-se para os jardins de sua casa a fim de meditar: “Para lá me levara o tumulto do meu peito, onde ninguém era capaz de evitar a ardente luta que eu travara comigo [...]. Eu rangia em espírito, irando-me com turbulentíssima indignação, por não poder seguir Vosso agrado e aliança...” (Conf., VIII, 8).
A luta interior se agravou quando, de repente, Agostinho caiu em choro e, em meio às suas lágrimas, se interrogou: “Por quanto tempo andarei a clamar: Amanhã, amanhã? Por que não há de ser agora? Porque o termo das minhas torpezas não de vir nesta hora? [...] Assim falava e chorava, oprimido pela mais amarga dor do coração. Eis que, de súbito, ouço a voz da casa próxima. Não sei se era de menino, se de menina. Cantava e repetia frequentes vezes? ‘Toma e lê; toma e lê’” (Conf., VIII, 12).
Surpreendido, Agostinho lembrou-se da narrativa de Ponticiano acerca do momento em que Santo Antão recebeu um sinal de Deus e interpretou sua existência como um chamado de Deus para ler a Bíblia. Daí correu ao encontro de Alípio que lhe entregou o Novo Testamento e este abriu-o espontaneamente e leu o que lhe veio aos olhos, caindo sobre a Epístola de São Paulo (Rm 13.13) que dizia: “Não caminheis em glutonarias e embriaguez, nem em desonestidades e dissoluções, nem em contendas e rixas; mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis a satisfação da carne com seus apetites”. “Não quis ler mais, nem era necessário. Apenas acabei de ler estas frases, penetrou-me no coração uma espécie de luz serena, e todas as trevas da minha dúvida fugiram” (Conf., VIII 12).
Agostinho mostrou a passagem a Alípio, e, juntos discutiram a experiência; em seguida, foram ao encontro de Mônica contar o ocorrido: estava decidido a ser católico, queria batizar-se.
Convertido, Agostinho desistiu da ideia de casar-se e pediu demissão de seu cargo de rector. Um de seus amigos, Verecundo, colocou à sua disposição uma casa de campo, num lugar chamado Cassicíaco, perto de Milão, para onde se retirou com os amigos, seu filho Adeodato e sua mãe Mônica. Ali iriam preparar-se para o batismo, sob as orientações de Ambrósio. Das circunstancias desse retiro nasceram as suas primeiras obras: Contra os acadêmicos (386), Sobre a vida feliz (386), Sobre a ordem (386) e Solilóquios (387), que ficariam conhecidas por “Diálogos filosóficos de Cassicíaco” ou “Da Juventude”.
Em 387, Agostinho e seu filho Adeodato voltaram a Milão para receberem o batismo. No Sábado Santo (25 de Abril de 387), foram batizados pelo Bispo Ambrósio.
Batizado, sua grande meta seria retornar à terra natal, onde pretendia dedicar-se à vida monástica. Ainda em 387, iniciou o caminho rumo a Tagaste, mas, em passagem pelo Porto de Roma (em Óstia), sua mãe faleceu, com 56 anos de idade. Em 388, chegou à África. Ali, seguindo o preceito evangélico da pobreza, estabeleceu uma espécie de mosteiro, vivendo em companhia de seus amigos. Daquela primeira comunidade nascia o ideal de vida monástica do Ocidente.
De sua experiência de vida comunitária nasceriam as famosas Regras, um ideal de vida monástica que tinha como máxima: “A medida para amar a Deus é amá-lo sem medida” (Reg., 34, 4,7) que seria seguida pelos mosteiros agostinianos, e que influenciaria grande parte das ordens e congregações religiosas espalhadas pelo mundo até hoje.
Agostinho insistia em dizer que não queria ser sacerdote, mas o que ele menos queria aconteceu. Em sua visita a Hipona, ao adentrar na cátedra, em um momento de assembleia, vendo Agostinho se aproximar, o Bispo Valério começou a explicar ao povo seu desejo de encontrar alguém – que o ajudasse a combater as heresias. Agostinho avançava pela Catedral quando, subitamente, uma multidão de fiéis, que gritavam em coro: Agostinho! Agostinho! Arrastou-o forçosamente e o conduziu até o bispo.
No dia seguinte, foi recebido por Valério. Queria confessar-lhe as suas hesitações em ser sacerdote, mas, como era da vontade de Deus, aceitaria. E depois de alguns meses de preparação espiritual, aos 37 anos de idade, Agostinho foi ordenado sacerdote pelas mãos do Bispo Valério.
Diante do prestígio de Agostinho, não só na região, mas em toda África, temendo que a qualquer momento estes fosse chamado (raptado) a servir em outros lugares, o Bispo Valério escreveu ao Primaz da África, pedindo-lhe que o ordenasse bispo-auxiliar de sua diocese. Agostinho tentou fugir mais uma vez de tal compromisso, mas, diante da insistência de Valério, em 395, foi sagrado bispo pelas mãos de Magálio. Um ano depois, com o falecimento de Valério, Agostinho ficaria como bispo-titular de Hipona, onde permaneceu por 36 anos.
Além de intelectual, preocupado com as grandes questões doutrinárias de seu tempo, Agostinho era um bispo popular, que convivia com seu povo, que conhecia as suas ansiedades, sofrimentos e alegrias. Basta vermos as centenas de Cartas e Sermões dirigidos aos seus diocesanos e amigos de outras regiões. Além disso, participava ativamente da vida político-social de sua época, interferindo, reivindicando e intercedendo junto às autoridades por seu rebanho.
Em 410, Agostinho acompanhou atentamente os acontecimentos acerca do saque de Roma por Alarico. Diante das acusações dos romanos de que a debilidade do Império estaria na sua adesão ao cristianismo, Marcelino, tribuno romano, pediu a Agostinho desse uma resposta a tais acusações, e ele escreveu a obra Sobre a Cidade de Deus, em defesa dos cristãos, que ao lado das Confissões, do Comentário aos Salmos e do tratado Sobre a Trindade, forma o conjunto das obras mais importantes de Agostinho.
No final de sua vida iniciaria outra importante obra, Retractationum (Retratações), como um olhar retrospectivo de todas as suas obras anteriores, mas que ficaria inacabada.

Agostinho faleceu no dia 28 de agosto de 430. Seu corpo foi enterrado na Basilica Pacis (Basílica da Paz) de Hipona onde, por 36 anos, ressoou a voz daquele que, para sempre, seria o “Bispo de Hipona”. Mais tarde, seus restos mortais foram levados para Sardenha, na Itália, depois, na época das invasões dos vândalos, foram transferidos para a Catedral de Pavia, onde permanecem até hoje.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

5 SOLAS DA REFORMA PROTESTANTE


INTRODUÇÃO:

Antes da reforma protestante do século XVI, os ensinos, as ações e a postura da igreja Católica Romana, incomodavam os verdadeiros crentes, que procuravam pautar suas vidas nos ensinos das Escrituras Sagradas.
Homens como Jerônimo Savanarola, João Huss e tantos outros foram mortos por defenderem seus ideais de conduta e fé. No cárcere, sentenciado pelo papa para ser queimado vivo, João Huss disse: "Podem matar o ganso (em alemão, sua língua natal, huss é ganso), mas daqui a cem anos, Deus suscitará um cisne que não poderão queimar".
O monge agostiniano Martinho Lutero seguindo o mesmo ideal de lealdade às Escrituras. No dia 31 de outubro de 1517, cento e dois anos após a morte de João Huss, afixa à porta da igreja do castelo de Witenberg, as suas 95 teses, cujo teor resume-se em que Cristo requer o arrependimento e a tristeza pelo pecado e não a penitência.
Com o desenvolvimento dos estudos de Lutero e suas teses surgem os cinco pilares da reforma protestante que são também conhecidos como os cinco solas da reforma, são princípios fundamentais da reforma protestante sintetizando o credo dos teólogos protestantes.
A palavra sola é uma palavra latina que significa "somente", esses pontos surgem com o propósito de se oporem ao pensamento, conduta e ensino da igreja romana da época. Os Cinco Solas são:

1-Soli Deo Gloria (Glória somente a Deus)

A igreja romana ensinava e exigia uma devoção ao clero e aos homens santos que poderiam interferir diante de Deus para perdão de pecados e obtenção de bênçãos para os homens.
Quando se estava na presença do papa e dos cardeais a reverência deveria ser tamanha, beirando as raias de adoração, onde se demonstraria uma total submissão a estes.
Fundamentado nas Escrituras Ef 2. 1-10; Jo 4.24; Sl 90.2; Tg 1.17 e tantos outros textos, os Reformadores concluem que somente a Deus devemos dar glória.
Não podemos dispensar glórias a homens, pois não passam de míseros pecadores e são como trapos imundos e carecem da misericórdia e da gloria de Deus.

2- Sola Fide (Somente a Fé)

O homem só pode ser salvo mediante a fé (a exclusividade da ação pela fé), sua alma só poderá ser liberta das chamas do inferno e das garras de Satanás mediante a fé em nosso Senhor Jesus Cristo.
Não são penitências, sacrifícios ou compra de indulgências, que livrarão o homem da condenação eterna, mas a salvação é através da fé (Ef 2.8).
Após meditar no texto que diz: "O justo viverá da fé", Martinho Lutero percebeu que a justiça de Deus nessa passagem, é a justiça que o homem piedoso recebe de Deus, pela fé como dádiva.

3-Sola Gratia (Somente a Graça)

A única causa eficiente da salvação é a graça de Deus. Ninguém pode ser salvo por mérito próprio, por obras, sacrifícios penitências ou compra de indulgências. A única causa eficaz da salvação é a graça de Deus sobre o pecador, (Ef 2.8). Pela graça somos salvos mediante a fé, e isso não vem do homem é dom de Deus.
Nenhuma obra por mais justa e santa que possa parecer poderá dar ao homem livre acesso a salvação e ao reino dos céus, ocorrerá isso somente pela graça de Deus.
"Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isso não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se gloria". Ef 2.8 e 9

4- Sola Christus (Somente Cristo)

Esse "somente" mostra a suficiência e exclusividade de Cristo no processo de salvação. Desde a eternidade Deus promove a aliança da redenção, onde o beneficiário seria o homem e o executor dessa aliança seria seu Filho unigênito "Jesus Cristo, o Messias prometido", portanto somente Cristo é o instrumento de nossa salvação.
O homem nada poderá fazer para sua salvação, pois Jesus Cristo realizou a obra da redenção ao ser sacrificado na cruz do calvário, vertendo o seu sangue como sacrifício por nossos pecados.
 "E não há salvação em nenhum outro: porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome, dentre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos" At 4.12.

5- Sola Scriptura (Somente as Escrituras)

Somente as Escrituras são regra de fé e prática para o crente. As tradições as bulas e os escritos papais mão têm, não podem ser ou mesmo servirem de instrumento de fé e prática para o rebanho de Cristo, somente as Escrituras Sagradas. Elas foram escritas por homens inspirados por Deus, são instrumentos de revelação da vontade de Deus para nossa vida. Ao lê-la somos iluminados pelo Espírito Santo para entendê-la.
Martinho Lutero escreve: "Então, achei-me recém-nascido e no paraíso, toda as Escrituras tinham para mim outro aspecto, perscrutava-as para ver tudo quanto ensinam sobre a justiça de Deus"

Podemos ler em 2Tm 3. 16-17: "Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra".

FONTE:  Boyer, Orlando. Os Heróis da Fé, CPAD, Rio de Janeiro, 2002.

sábado, 17 de outubro de 2015

QUATRO PERGUNTAS PARA UMA MULHER QUE TINHA SUA ESPERANÇA ANCORADA EM DEUS - 1SM 1:1-19

Houve um homem de Ramataim-Zofim, da montanha de Efraim, cujo nome era Elcana, filho de Jeroão, filho de Eliú, filho de Toú, filho de Zufe, efrateu.
E este tinha duas mulheres: o nome de uma era Ana, e o da outra Penina. E Penina tinha filhos, porém Ana não os tinha.
Subia, pois, este homem, da sua cidade, de ano em ano, a adorar e a sacrificar ao Senhor dos Exércitos em Siló; e estavam ali os sacerdotes do Senhor, Hofni e Finéias, os dois filhos de Eli.
E sucedeu que no dia em que Elcana sacrificava, dava ele porções a Penina, sua mulher, e a todos os seus filhos, e a todas as suas filhas.
Porém a Ana dava uma parte excelente; porque amava a Ana, embora o Senhor lhe tivesse cerrado a madre.
E a sua rival excessivamente a provocava, para a irritar; porque o Senhor lhe tinha cerrado a madre.
E assim fazia ele de ano em ano. Sempre que Ana subia à casa do Senhor, a outra a irritava; por isso chorava, e não comia.
Então Elcana, seu marido, lhe disse: Ana, por que choras? E por que não comes? E por que está mal o teu coração? Não te sou eu melhor do que dez filhos?
Então Ana se levantou, depois que comeram e beberam em Siló; e Eli, sacerdote, estava assentado numa cadeira, junto a um pilar do templo do Senhor.

Encontramos na passagem mencionada acima uma das mais dramáticas histórias do Antigo Testamento. Elcana era casado com duas mulheres. A primeira delas se chamava Ana, a mulher que ele mais amava e que infelizmente, era estéril. A segunda mulher se chamava Penina, por costume do antigo Oriente Médio, quando uma mulher era estéril, o homem poderia se casar com outra mulher para que ela pudesse lhe conceder filhos, que por sua vez, aumentaria sua descendência.
Ana viva com uma angústia muito grande em seu coração, ela habitava numa sociedade que considerava uma maldição uma mulher não poder gerar filhos em seu ventre e também sofria com Penina, que a irritava todas as vezes que Elcana juntamente com seus filhos e ela subiam para Siló adorar ao Senhor (v. 6).

Conviver com essa angústia não era uma tarefa fácil para Ana. Ela enfrentava diariamente uma guerra em sua mente, pois o que o texto bíblico nos diz que o Senhor cerrou sua madre (v.6). Segundo algumas fontes judaicas, uma possível tradução para esse texto seria: ADONAI (meu Senhor) a tinha privado de ter filhos. Por que Deus faria isso com Ana? Qual a finalidade de ter “privado” Ana de ter filhos?

Todos os anos a história se repetia e quando Ana era irritada por Penina chorava e não conseguia comer. Até que então Elcana vem até Ana e faz quatro perguntas:

      1)      ANA, POR QUE CHORAS?

Essa pergunta nos mostra que Elcana estava tentando consolar Ana. Todo ano essa história se repetia. Para Elcana, parecia ser fácil; ele tinha uma mulher que amava e uma que lhe concedeu filhos e filhas (v. 4).
Precisamos entender que o choro:

      a)      São as palavras de um coração que já perdeu a voz

      b)      Chorar é diminuir a profundidade da dor

      c)       É esvaziar uma pressão que está dentro do coração

Vivemos numa sociedade totalmente etnocêntrica e que não possui espaço para os mais fracos. O dia mais feliz de Ana com certeza foi o seu casamento com Elcana. Essa felicidade tornou-se um pesadelo para Ana, pois logo descobriu que era estéril e depois disso teve que conviver com uma mulher que zombava por ela não poder gerar filhos e continuar a linhagem de seu marido. O choro para Ana foi uma forma de demonstrar que a alegria de seu coração foi sequestrada. Isso aos olhos dela, mas não aos olhos de Deus! A bíblia nos diz:

[...] põe as minhas lágrimas no teu odre. Não estão elas no teu livro? (Sl 56:08).

As lágrimas de Ana estavam sendo guardadas por Deus e registradas em seu livro. Nenhum sofrimento, angústia, tristeza passam despercebidos diante de Deus. Ana tinha um Deus que assistia de perto todo seu sofrimento.

      2)      POR QUE NÃO COMES?

Todo o sofrimento de Ana a impedia de se atentar para suas necessidades fisiológicas. Quando o sofrimento bate a porta, é comum a pessoa não sentir motivação para nada. A única coisa que estava em sua mente era o sofrimento e angústia por não ser uma pessoa “normal” como todas as outras mulheres.

      3)      E POR QUE ESTÁ MAL O TEU CORAÇÃO?

A bíblia nos diz que do coração procedem às fontes da vida (Pv 4:23). Era notório para Elcana a dor que estava alojada no coração de Ana. Não tinha como não enxergar, pois o coração alegre aformoseia o rosto, mas pela dor do coração o espírito se abate (Pv. 15:24). Elcana não sabia mais o que fazer com Ana. O sofrimento transforma o semblante de nosso rosto. É comum a pessoa que está enfrentando um grande sofrimento:

      a)      Se tornar uma pessoa pessimista.

      b)      Se tornar uma pessoa de difícil relacionamento.

      c)       Se tornar uma pessoa que pensa negativamente.

      d)      O sofrimento desiquilibra a pessoa psicologicamente.

Todos esses atributos são encontrados em uma pessoa que por muito tempo leva consigo um grande sofrimento. Isso pode ser encontrado em qualquer pessoa, menos em Ana.
Ana estava abatida de coração, mas sua fé ainda estava ancorada em Deus.

      4)      NÃO SOU EU MELHOR DO QUE DEZ FILHOS?

O texto bíblico nos diz que Elcana amava muito Ana, pois quando ele sacrificava, a porção que ele dava a Ana era superior as de Penina e seus filhos e filhas. Embora Elcana já fosse um homem realizado por ter a sua volta filhos e filhas e ter uma mulher que amava, Ana ainda tinha um sonho que entregava aos pés do Senhor. O sonho de um dia ser mãe!
Sonhos são pessoais. Elcana não poderia sonhar para Ana. Ela tinha o seu sonho, seu desejo, e todos eles estavam ancorados em um filho. Encontramos em Ana, uma mulher que queria ter um filho, mas Deus queria uma mulher que fosse mãe de um juiz e profeta!
Os sonhos de Deus sempre serão maiores do que os nossos. A vontade soberana de Deus sempre prevalecerá sobre a vontade humana.

Quando Elcana e Ana chegaram a Siló, Ana começou a orar ao Senhor e fez um voto dizendo que se ele lembra-se dela lhe concedendo um filho, ela o entregaria a vida de seu filho as mãos de Deus. Uma atitude honesta e de grande valia aos olhos de Deus. Eli o sacerdote observava Ana, que, só movia seus lábios, mas sua boca não produzia nenhum som, ao passo de considerar que ela estava bêbada (v. 14). Aos olhos das pessoas próximas que não entendem o sofrimento, tudo parece uma perca de tempo e bobagem. Talvez pudesse ser dito “para de ser boba, não vale apena sofrer por isso”, só quem sofre sabe o quanto é difícil conviver com esse sofrimento. Ana então conta que era uma mulher atribulada de espírito e estava contando toda sua dor (v. 15 e 16). Ao ouvir as palavras de Ana, o sacerdote Eli diz para ela voltar em paz e que o Deus de Israel conceda sua petição (v. 17). Chegando então em sua casa, em Ramá, o Senhor se lembrou de Ana e lhe concedeu um menino (V. 19).

APRENDEMOS COM ESSE TEXTO ALGUMAS LIÇÕES:

      1)      Somos confrontados com nosso sofrimento todos os dias, mas o que fazemos com esse confronto poderá mudar nosso futuro.

      2)      Ana tinha um sonho, que só foi realizado quando ela colocou aos pés de Deus.

     3)      Deus se agrada e se lembra de nós quando fazemos propósitos e colocamos tudo em suas mãos.

     4)      Por mais que Elcana tentasse animar Ana com suas quatro perguntas, Ana não desistiu da vontade de ter um filho.


     5)      Para Deus nada é impossível.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

O CREDO APOSTÓLICO

O Credo Apostólico, ou Symbolum Apostolicum, é, quanto à sua forma, não uma produção dos apóstolos, como foi antigamente crido, mas um admirável resumo popular do ensino apostólico, e em completa harmonia com o espírito e mesmo a letra do Novo Testamento.

I. Caráter e Valor

Como a oração do Senhor é a Oração das orações, o Decálogo a Lei das leis, assim o Credo Apostólico é o Credo dos credos. Ele contém todos os artigos fundamentais da fé cristã necessários para a salvação, na forma de fatos, em linguagem escriturística simples, e na mais natural ordem - ordem da revelação - de Deus e da criação até a ressurreição e vida eterna. É trinitária, e dividida em três artigos principais, expressando fé - em Deus Pai, o Criador dos céus e da terra, em seu único Filho, nosso Senhor e Salvador, e no Espírito Santo (in Deum Patrem, in Jesum Christum, in Spiritum Sanctum); sendo a principal ênfase feita no segundo artigo, o nascimento sobrenatural, morte, e ressurreição de Cristo. Então, mudando a linguagem (credo em para credo com o simples acusativo), o Credo professa acreditar na santa Igreja Católica, a comunhão dos santos, remissão dos pecados, ressurreição do corpo, e a vida eterna.1 É de longe o melhor resumo popular da fé cristã jamais feita em tão pouco espaço. Ele ainda supera todos os posteriores símbolos para propósitos catequéticos e litúrgicos, especialmente como uma profissão de candidatos para o batismo e membresia da igreja. Não é um enunciado lógico de doutrinas abstratas, mas uma profissão de fatos vívidos e verdades salvadoras. É um poema litúrgico e um ato de adoração. Como a Oração do Senhor, ele não perde nada de seu charme e efeito pelo uso freqüente, embora, por vã e impensada repetição, ele pode ser feito um martírio e uma forma vazia de palavras. Ele é inteligível e edificante para uma criança, e fresco e rico para o mais profundo estudioso cristão, o qual, avançando em idade, se deleita em voltar às fundações primitivas e os primeiros princípios. Ele tem a fragrância da antiguidade e o inestimável peso do consenso universal. É um laço de ligação entre todas as idades e divisões da cristandade. Ele nunca poderá ser substituído no uso popular na igreja e escola2.
Ao mesmo tempo, deve ser admitido que a grande simplicidade e brevidade deste Credo, que tão admiravelmente o adapta para todas classes de cristãos e adoração pública, o faz insuficiente como um regulador de doutrina pública para um estágio mais avançado de conhecimento teológico. Como ele é confinado aos artigos fundamentais, e expressa eles em termos escriturísticos simples, ele admite uma indefinida expansão pela mente científica da igreja. Assim, o Credo Niceno dá mais clara e mais forte expressão da doutrina da divindade de Cristo contra os arianos, o credo Atanasiano para toda doutrina da Trindade e personalidade de Cristo contra as várias heresias da era pós-nicênica. Os credos reformados são mais explícitos na autoridade e inspiração das Escrituras e as doutrinas do pecado e graça, as quais são ou passadas por ou meramente implícitas no Credo Apostólico.

II. Quanto às origens

Quanto às origens do Credo Apostólico, sem dúvida ele cresceu gradualmente da confissão de Pedro, Mt 16:16, que forneceu seu núcleo (o artigo sobre Jesus Cristo), e da fórmula batismal, que determinou a ordem trinitária e disposição. Ele não pode ser traçado a um autor individual. É um produto da Igreja Católica Ocidental (como o Credo Niceno é da Igreja Oriental) nos primeiros quatro séculos. Não é de inspiração primária, apostólica, mas de secundária, eclesiástica. Não é uma palavra de Deus aos homens, mas a palavra de homens a Deus, em resposta à sua revelação. Ele foi originalmente e essencialmente uma confissão batismal, crescendo da vida interior e necessidades práticas do Cristianismo primitivo.3 Ele foi explicado aos catecúmenos no último estágio de sua preparação, professo por eles no batismo, frequentemente repetido, com a Oração do Senhor, para devoção privada, e mais tarde introduzida no serviço público4. Ele foi chamado pelos pais antenicenos 'a regra de fé', 'a regra da verdade', 'a tradição apostólica', 'a pregação apostólica', mais tarde 'o símbolo de fé'5. Mas inicialmente este Credo batismal não foi precisamente o mesmo. Ele assumiu formas e modelos diferentes em diferentes congregações6. Algumas eram mais longas, algumas mais curtas, algumas declarativas, algumas interrogativas na forma de perguntas e respostas7. Cada uma das grandes igrejas adaptou o núcleo da fé apostólica para suas circunstâncias e desejos peculiares; mas elas todas concordavam nos artigos essenciais de fé, na forma geral de disposição na base da fórmula batismal, e na proeminência dada para a morte de Cristo e ressurreição. Nós temos uma ilustração na prática moderna das Igrejas Batistas Independentes ou Congregacionais na América, onde a mesma liberdade de formular credos congregacionais particulares ('pactos', como eles são chamados, ou formas de profissão e compromisso, quando membros são recebidos na comunhão completa) é exercitada em uma extensão maior que nas épocas antigas.
Os primeiros registros que nós temos destes primitivos credos são meramente fragmentários. Os pais antenicenos não nos dão a exata e completa fórmula, mas somente alguns artigos com descrições, defesas, explicações e aplicações. Os credos eram memorizados, mas não escritos8. Este fato é explicado pela 'Disciplina Secreta' da igreja antenicena. Pelo medo de profanação e interpretação errada por descrentes (não, como alguns supõe, em imitação dos antigos Mistérios dos gentios), a celebração dos sacramentos e do credo batismal, como parte do ato batismal, era mantido secreto entre os membros comungados até que a Igreja triunfou no Império Romano9.
O primeiro escritor no Oeste que nos deu o texto do credo latino, com um comentário, é Rufino, perto do fim do quarto século.
As formas mais completas ou mais populares do credo batismal em uso naquele tempo no Oeste eram aquelas das igrejas de Roma, Aquiléia, Milão, Ravena, Cartago e Hipona. No entanto elas diferem pouco10. Entre estes, de novo, a fórmula romana gradualmente ganhou aceitação geral no Oeste por sua excelência intrínseca, e por causa da posição de comando da Igreja de Roma. Nós conhecemos o texto latino de Rufino (390), e o grego de Marcellus de Ancyra (336-341). O texto grego é usualmente observado como uma tradução, mas é provavelmente mais antigo que o latino, e poderia ser datado do segundo século, quando a linguagem grega prevalecia na congregação romana11.
Este credo romano foi gradualmente crescendo por várias cláusulas de formas mais antigas ou contemporâneas, a saber, o artigo 'desceu ao Hades' (pego do credo de Aquiléia), o predicado católico ou geral, no artigo da Igreja (emprestado dos credos orientais), a comunhão dos santos (de fontes Gálicas), e a conclusão 'vida eterna' (provavelmente dos símbolos das igrejas de Ravena e Antioquia)12. Estas cláusulas adicionais foram sem dúvida parte da fé geral, pois eram ensinadas nas Escrituras, mas eles foram primeiramente expressos nos credos locais, e passou algum tempo antes que eles achassem um lugar na fórmula autorizada.
Se nós considerarmos, então, o presente texto do Credo Apostólico como um completo todo, nós dificilmente poderemos traçá-lo além do sexto, certamente não além do fim do quinto século, e seu triunfo sobre todas as outras formas na Igreja Latina não foi completa até o oitavo século, ou cerca do tempo que os bispos de Roma de forma enérgica esforçaram-se para conformar as liturgias das igrejas ocidentais à ordem romana13. Mas se nós olharmos para os vários artigos do Credo separadamente, eles são todos de origem nicena ou antenicena, enquanto que seu núcleo volta aos tempos apostólicos. Todos os fatos e doutrinas que ele contém, estão em inteira concordância com o Novo Testamento. E isto é verdade mesmo naqueles artigos que tem sido mais atacados em tempos recentes, como a concepção sobrenatural de nosso Senhor (comparar Mateus 1:18; Lucas 1:35), a descida ao Hades (comparar Lucas 23:43; Atos 2:31; 1 Pedro 3:19; 1 Pedro 4:6), e a ressurreição do corpo (1 Coríntios 15:20, e outros lugares)14.
A oposição racionalística ao Credo Apostólico e seu uso nas igrejas é então um ataque indireto ao próprio Novo Testamento. Mas ele vai sem dúvida sobreviver estes ataques, e dividir a vitória da Bíblia sobre todas as formas de descrença15.

III. O Credo

Eu adicionei uma tabela, com notas críticas, para mostrar a diferença entre o credo romano original, como foi dado por Rufino em Latim (cerca de 390 D.C.), e por Marcellus em Grego (336-341 D.C), e a forma recebida do Credo Apostólico, que chegou ao uso geral no sétimo ou oitavo século. As adições estão entre colchetes.

A forma Romana Antiga
1. Eu creio em Deus Pai Todo-Poderoso16
2. E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor;
3. Que nasceu pelo Espírito Santo da Virgem Maria18;
4. Foi crucificado sob Pôncio Pilatos e foi sepultado;

5. Ao terceiro dia levantou-se dos mortos;
6. Ascendeu aos céus; e sentou à direita do Pai;
7.De onde virá para julgar os vivos e os mortos.
8. E no Espírito Santo;
9. Na Santa Igreja; 
10. No perdão dos pecados;
11. Na ressurreição do corpo (carne)26.

Forma recebida
1. Eu creio em Deus Pai Todo-Poderoso [Criador dos céus e da terra]17.
E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor;
3. Que foi [concebido] pelo Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria19;
4. [Padeceu]20 sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, [morto] e sepultado
[Desceu ao Inferno (Hades)];21
5. Ao terceiro dia levantou-se dos mortos;
6. Ascendeu aos céus; e sentou-se à mão direita de [Deus] Pai [Todo-Poderoso];22
7. De onde virá para julgar os vivos e os mortos.
8. [Eu creio]23 no Espírito Santo;
9. Na Santa Igreja [Católica];24
[Na comunhão dos santos];25
10. No perdão dos pecados;
11. Na ressurreição do corpo (carne);
12. [E na vida eterna]27.

Nota sobre a lenda da origem apostólica do Credo


Até a metade do século dezessete era corrente crença da cristandade romana católica e protestante que o Credo Apostólico foi 'membratim articulatimque' composto pelos apóstolos em Jerusalém no dia de Pentecoste, ou antes de sua separação, para assegurar unidade de ensino, cada um contribuindo com um artigo (portanto a de certa forma arbitrária divisão em doze artigos)28. Pedro, sob inspiração do Espírito Santo, começou: 'Eu creio em Deus Pai Todo-Poderoso;' André (de acordo com outros, João) continuou: 'E em Jesus Cristo, seu único Filho, nosso Senhor;' Tiago o mais velho prosseguiu: 'Que foi concebido pelo Espírito Santo;' então continou João (ou André): 'Sofreu sob Pôncio Pilatos;' Filipe: 'Desceu ao Hades;' Tomé: 'No terceiro dia levantou-se dos mortos ;' e assim continua até Matias completar o trabalho com as palavras 'vida eterna. Amén.'
O primeiro traço desta lenda, apesar de sem a distribuição aludida a ela, nós encontramos no fim do quarto século, no Expositio Symboli de Rufinus de Aquiléia. Ele menciona uma antiga tradição com respeito à composição apostólica do Credo ('tradunt majores nostri'), e falsamente deriva desta suposta autoria conjunta o nome symbolon (de συμβάλλειν, no sentido de contribuir); confundindo σύμβολον, sinal, com συμβολή, contribuição ('Symbolum Graece et indicium dici potest et collatio, hoc est, quod plures in unum conferunt'). A mesma visão é expressa, com várias modificações, por Ambrósio de Milão (d. 397), em seu Explanatio Symboli ad initiandos, onde ele diz: 'Apostoli sancti convenientes fecerunt symbolum breviter;' por João Cassiano (cerca de 424), De incarnat. Dom. VI. 3; Leão M. Ep. 27 ad Pulcheriam; Venantius Fortunatus, Expos. brevis Symboli Ap.; Isidorus de Sevilha (d. 636). A distribuição dos doze artigos entre os apóstolos é de datação tardia, e não há unanimidade a este respeito. Veja esta lendária forma no pseudo-Agostinho Sermones de Symbolo, em Hahn, l.c.p. 24, e outra de Sacramentarium Gallicanum do sétimo século, em Heurtley, p. 67.
O Catecismo romano dá sanção eclesiástica, até onde a Igreja Romana está interessada, à ficção de uma autoria apostólica direta29. Meyers, l.c., defende isto largamente, e Abbé Martigny, em seu 'Dictionnaire des antiquitées Chréstiennes', Paris, 1865 (art. Symbole des apôtres, p. 623), ousadamente afirma, sem uma sombra de prova: 'Fidèlement attaché à la tradition de l’Église catholique, nous tenons, non-seulement qu’il est l’œuvre des apôtres, mais encore qu’il fut composé par eux, alors que réunis à Jérusalem, ils allaient se disperser dans l’univers entier; et qu’ils volurent, avant de séparer, fixer une règle de foi vraiment uniforme et catholique, destinée à être livrée, partout la même, aux catéchumènes.'
Até mesmo entre Protestantes a velha tradição tem achado ocasionalmente advogados, como Lessing (1778), Delbrück (1826), Rudelbach (1844), e especialmente Grundtvig (d. 1872). O último citado, um bem hábil mas excêntrico bispo da alta igreja luterana da Dinamarca, traça o Credo, como a Oração do Senhor, ao próprio Cristo, no período entre a Ascenção e o Pentecoste. O poeta Longfellow (um Unitariano) faz uso poético da lenda em sua Divina Tragédia (1871).
Por outro lado, a origem apostólica (depois de ter sido chamada em questão por Laurentius Valla, Erasmo, Calvino30) tem sido tão claramente desmentida a muito tempo por Vossius, Rivetus, Voëtius, Usher, Bingham, Pearson, King, Walch e outros estudiosos, que não deverá nunca mais ser seriamente afirmado de novo.
Os argumentos contra a autoria apostólica são bem conclusivas:
1.       A intrínseca improbabilidade de tal mecânica composição. Ela não tem analogia na história dos símbolos; mesmo quando composta por comitês ou sínodos, eles são produção principalmente de uma mente. O Credo Apostólico não é uma peça de mosaico, mas uma unidade orgânica, um instintivo trabalho de arte no mesmo sentido que Gloria in Excelsis, o Te Deum e as clássicas orações e hinos da Igreja.
2.       O silêncio das Escrituras. Alguns advogados, de fato, tentam achar alusões ao Credo na 'analogia' ou 'proposição de fé' de Paulo, Romanos 12:7; 'o bom depósito', 2 Timóteo 1:14; 'os primeiros princípios dos oráculos de Deus', Hebreus 5:12; 'a fé uma vez dada aos santos', Judas 1:3; e 'a doutrina', 2 João 1:10; mas estas passagens podem ser facilmente explicadas sem tais suposições.
3.       O silêncio dos pais apostólicos e todos os pais e sínodos ante-nicenos e nicenos. Mesmo o concílio ecumênico de Nicéia não conhece nada sobre um símbolo de composição estritamente apostólica, e não se atreveria a substituí-lo por outro.
4.       A variedade em formas de várias regras de fé nas igrejas ante-nicenas, e do próprio Símbolo Apostólico até o oitavo século. Este fato é atestado mesmo por Rufino, que menciona os pontos nos quais o Credo de Aquiléia diferia do de Roma. 'Tais variações na forma do Credo proibiam a suposição de qualquer sistema fixo de palavras, reconhecido e recebido como a composição dos apóstolos; pois ninguém, certamente, sentiria-se livre para alterar nenhum esquema tão normal de fé'31.
5.       O fato que o Credo Apostólico nunca teve nenhum costume geral no Leste, onde o Credo Niceno ocupou seu lugar, com um quase igual clamor de apostolicidade tão quanto o conteúdo é interessado.

 

Notas

 

1. Esta mudança foi observada já por Rufino (l.c $36), que diz: 'Non dicit "InSanctam Ecclesiam" , nec "Inremissionem peccatorum" , nec "Incarnis resurrectionem". Si enim addidisset "in" præpositionem, una eademque vis fuisset cum superioribus... Hac præpositionis syllaba Creator a creaturis secernitur, et divina separantur ab humanis.' O catecismo romano (P. 1. 100. 10, qu. 19) também destaca esta distinção, 'Nunc autem, mutata dicendi forma, "sanctam" , et non "in sanctam" ecclesiam credere profitemur'.

2. Agostinho chama o Símbolo Apostólico de 'regula fidei brevis et grandis; brevis numero verborum, grandis pondere sententiarum'. Lutero diz: 'A verdade cristã não poderia ser possivelmente colocada em uma definição tão curta e tão clara'. Calvino (Inst., Lib II.100.16, $18), enquanto duvida de sua composição estritamente apostólica, ainda o respeita como um admirável e verdadeiro sumário da fé Cristã, e segue sua ordem em suas Institutas, dizendo: 'Id extra controversiam positum habemus, totam in eo [Symbolo Ap. ] fidei nostræ historiam succincte distinctoque ordine recenseri, nihil autem contineri, quod solidis Scripturæ testimoniis non sit consignatum'. J. T. Müller (Lutheran, Die Symb. Bücher der Evang. Luth. K., p. xvi.): 'Ele retém o duplo significado de ser o laço de união da Igreja Cristã universal, e a semente fa qual todos os outros credos surgiram'. Dr. Semisch (Evang. United, successor de Dr. Neander em Berlim) conclui seu recente ensaio no Credo (p. 28) com as palavras: 'É em sua primitiva forma o mais genuíno cristianismo da boca do próprio Cristo (das ächteste Christenthum aus dem Munde Christi selbst ).' Dr. Nevin (Germ. Reformed, Mercersb. Rev. 1849, p. 204): 'O Credo é a substância do Cristianismo na forma de fé... a direta expressão imediata da própria fé'. Dr. Shedd (Presbyterian, Hist. Christ. Doctr., II. 433): 'O Credo Apostólico é a primeira tentativa da mente cristã de sistematizar os ensinamentos das Escrituras, e é, consequentemente, a não inspirada fundação sobre a qual toda a pós-estrutura da literatura simbólica se apoia. Todo desenvolvimento de credos procede deste princípio'. Bispo Browne (Episcopalian, Exp . 39 Art ., p. 222): 'Apesar deste credo não ter sido redigido pelos próprios apóstolos, ele bem deve ser chamado de Apostólico, por tanto conter as doutrinas ensinadas pelos apóstolos, e por ser em substância o mesmo que foi usado na Igreja do tempo dos próprios apóstolos.' É o único credo usado no serviço batismal das igrejas Latinas, Anglicanas, Luteranas, e as Reformadas continentais. Nas igrejas Protestantes Episcopais e Luteranas o Credo Apostólico é uma parte do serviço regular dominical, e é geralmente recitado entre as lições das Escrituras e orações, expressando consentimento com o primeiro, e preparando a mente para o último.

3. Tertuliano, De corona militum . 100. 3: 'Dehinc ter mergitamur, amplius aliquid respondentes , quam Dominus in Evangelio determinavit'. O amplius respondentes refere-se ao Credo, não como algo diferente do Evangelho, mas um sumário do Evangelho. Comp. De bapt., 100.6, onde Tertuliano diz que no Credo batismal a Igreja era mencionada depois de confessar o Pai, o Filho e o Espítiro.

4. Agostinho (Op., ed. Bened., VI. Serm., 58): 'Quando surgitis, quando vos ad somnum collocatis, reddite Symbolum vestrum; reddite Domino... Ne dicatis, Dixi heri, dixi hodie, quotidie dico, teneo illud bene. Commemora fidem tuam: inspice te. Sit tanquam speculum tibi Symbolum tuum. Ibi te vide si credis omnia quæ te credere confiteris, et gaude quotidie in fide tua'.

5. Κανὼν τῆς πίστεως, κ. τῆς ἀληθείας, παράδοσις ἀποστολική, τό ἀρχαῖον τῆς ἐκκλησίας, σύστημα, regula fidei, reg. veritatis, traditio apostolica, prædicatio ap., fides catholica , etc. Algumas vezes estes termos são usados em um sentido mais amplo, e envolve todo curso de instrução catequética.

6. Veja o antigo regulæ fidei mencionado por Ireneu: Contra hær., lib. 1. 100. 10, § 1; III. 100. 4, § 1, 2; IV. 100. 33, § 7; Tertuliano: De velandis virginibus , 100. 1; Adv. Praxeam , 100. 2; De præscript. hæret., 100. 13; Novaciano: De trinitate s. de regula fidei (Bibl. P. P. , ed. Galland. III. 287); Cipriano: Ep. ad Magnum, e Ep. ad Januarium, etc.; Orígenes: De principiis, 1. præf. § 4–10; Const. Apost. VI. 11 e 14. Eles são dados no Vol. II. pp. 11–40; também por Bingham, Walch, Hahn, e Heurtley. Eu seleciono, como uma amostra, a descrição detalhada de Tertuliano, que manteve contra os heréticos muito fortemente a unidade da fé tradicional, mas, por outro lado, também contra a igreja de Roma (como um Montanista), a liberdade de disciplina e progresso na vida cristã. De velandis virginibus, 100. 1: 'Regula quidem fidei una omnino est, sola immobolis et irreformabilis, credendi scilicet in unicum Deum omnipotentem, mundi conditorem, et Filium ejus Jesum Christum, natum ex virgine Maria, crucifixum sub Pontio Pilato, tertia die resuscitatum a mortuis, receptum in cælis, sedentem nunc ad dexteram Patris, venturum judicare vivos et mortuos, per carnisetiam resurrectionem. Hac lege fidei manente cætera jam disciplinæ et conversationis admittunt novitatem correctionis, operante scilicet et proficiente usque in finem gratia Dei'. Em seu tratado contra Práxeas (cap. 2) ele também menciona, como objeto de regra de fé, 'Spiritum Sanctum, paracletum, sanctificatorem fidei eorum qui credunt in Patrem et Filium et Spiritum Sanctum'. Nós até mesmo deveríamos avançar até a metade e o começo do segundo século. O primeiro traço de alguns editoriais do Credo podem ser encontrados em Inácio, Epistola ad Tralianos, 100. 9 (ed. Hefele, p. 192), onde ele diz de Cristo que ele era verdadeiramente nascido 'da Virgem Maria' (τοῦ ἐκ Μαρίας, ὃς ἀληθῶς ἐγεννήθη), 'sofreu sob Pôncio Pilatos' (ἀληθῶς ἐδιώχθη ἐπί Ποντίου Πιλάτου),'foi crucificado e morto' (ἀληθῶς ἐσταυρώθη καὶ ἀπέθανεν,) e 'se levantou dos mortos' (ὃς καὶ ἀληθῶς ἠγέρθη ἀπὸ νεκρῶν, ἐγείραντος αὐτὸν τοῦ πατρὸς, αὐτοῦ.) Os mesmos artigos, com poucos outros, podem ser traçados em Justinho Mártir, Apol. 1. 100. 10, 13, 21, 42, 46, 50.

7. Geralmente distribuído em três tópicos: 1. Credis in Deum Patrem omnipotentem, etc.? Resp. Credo. 2. Credis et in Jesum Christum, etc.? Resp. Credo. 3. Credis et in Spiritum Sanctum, etc.? Resp. Credo. Veja os credos interrogativos em Martene, De antiquis ecclesiæ ritibus, 1. 1. 100. 1, e em Heurtley, l.c. pp. 103–116.

8. Jerônimo, Ep. 61, ad Pammach.: 'Symbolum fidei et spei nostræ, quod ab apostolis traditum, non scribitur in charta et atramento, sed in tabulis cordis carnalibus'. Agostinho, Serm. ccxii, 2: 'Audiendo symbolum discitur, nec in tabulis vel in aliqua materia, sed in corde scribitur'.

9. Sobre a Disciplina arcani compare com minha Church History, 1. 384 sq., e Semisch, On the Ap. Creed, p. 17, que mantém, com outros, que o Credo Apostólico existiu em completo como parte da Secreta Disciplina muito antes de ser escrita.

10. Veja estes Credos Nicenos e pós-Nicenos em Hahn, l.c.pp.3sqq., e em Heurtley, l.c.43sqq. Agostinho (e pseudo-Agostinho) dá oito exposições do Símbolo, e menciona, além disto, simples artigos em dezoito passagens de seu trabalho. Veja Caspari, l.c.II.264sq. Ele segue na forma principal (Ambrosiana) da igreja de Milão, que concorda substancialmente com a Romana. Duas vezes ele pega o Símbolo Norte-africano de Cartago para uma base, o qual tem adições no primeiro artigo, e coloca o artigo da Igreja no fechamento (vitam æternam per sanctam ecclesiam). Nós temos também, da idade Nicena e pós-Nicena, vários comentários do Credo por Cirílo de Jerusalém, Rufino, Ambrósio e Agostinho. Eles não dão os vários artigos continuamente, mas é fácil colecionar e reconstruir eles a partir dos comentários em que eles são expostos. Cirílo expõe o Credo Oriental, os outros o Ocidental. Rufinus pega o da Igreja de Aquiléia, onde ele era presbítero, como base, mas anota incidentalmente a discrepância entre este Credo e o da Igreja de Roma, de tal forma que nós obtemos dele o texto do Credo Romano também. Ele menciona anteriores exposições do Credo, que nós perdemos (In Symb. $1).

11. Veja Caspari, Vol. III. pp. 28–161.

12. A última cláusula ocorre no texto Grego de Marcellus e no credo batismal de Antioquia (καὶ εἰς ἁμαρτιῶν ἄφειν καὶεἰς νεκρῶν ἀνάστασιν καὶ εἰς ζωὴν αἰώνιον). Veja Caspari, Vol. 1. pp. 83 sqq.

13. Heurtley diz (l.c.p.126): 'No curso do sétimo século o Credo parece ter se aproximado mais e mais perto, e mais e mais geralmente, à se conformar com a fórmula agora em uso; e antes de seu fechamento, instâncias ocorreram de credos virtualmente idênticos com esta fórmula. O mais antigo credo, contudo, que eu encontrei na prática e em todos os respeitos idêntico com ele, o de Pirminius, não ocorre até o oitavo século; e mesmo até o fim do oitavo, A.D. 785, há um exemplo destacável de credo, então em uso, que mantém muito das faltas na fórmula dos tempos anteriores, o Credo de Etherius Uxamensis'. As cópias mais velhas conhecidas de nosso presente textus receptus foram encontradas em manuscritos de trabalhos os quais não podem ser traçados além do oitavo ou nono século, a saber, em a 'Psalterium Græcum Gregorii Magni', preservado na Livraria do Corpus Christi College, Cambridge, e primeiramente publicado por Abp. Usher, 1647 (também por Heurtley, l.c.p. 82), e outro em 'Libellus Pirminii [que morreu em 758] de singulis libris canonicis scarapsus' (=collectus), publicado por Mabillon (Analecta, Tom. IV. p. 575). O primeiro contém o Credo em Latim e Grego (ambos, contudo, em letras romanas), dispostos em duas colunas paralelas; o segundo dá primeiro a lenda do Credo com os doze artigos atribuídos aos doze apóstolos, e então o Credo Latino como era usado no serviço batismal. Veja Heurtley, p.71.

14. O mesmo ponto de vista da origem do Credo Apostólico é mantido pelos últimos escritores do assunto, como Hahn, Heurtley, Caspari, Zöckler, Semisch. Zöckler diz (l.c.p.18): 'Das Apostolicum ist hinsichtlich seiner jetzigen Form sowohl nachapostolisch, als selbst nachaugustinisch, aber hinsichtlich seines Inhalts ist es nicht nur voraugustinisch, sondern ganz und gar apostolisch—in diesen einfachen Satz lässt die Summe der einschlägigen kritisch patristischen Forschungsergebnisse sich kurzerhand zusammendrängen. Und die Wahrheit dieses Satzes, soweit er die Apostolicität des Inhalts behauptet, lässt sich bezüglich jedes einzelnen Gliedes oder Sätzchens, die am spätesten hinzugekommenen nicht ausgenommen, mit gleicher Sicherheit erhärten'. Semisch traça os vários artigos, considerados separadamente, até o terceiro e segundo século, e a substância até o primeiro. Fr. Spanheim e Calvino fez o mesmo. Calvino diz: 'Neque mihi dubium est, quin a prima statim ecclesiæ origine, adeoque ab ipso Apostolorum seculo instar publicæ et omnium calculis receptæ confessionis obtinuerit' (Inst. lib. II. 100. 16, § 18). O argumento mais elaborado para a origem é dada por Caspari, que deriva o Credo da Ásia Menor no começo do segundo século (Vol.III.pp.1-161).

15. A discussão do Credo Apostólico entrou em um estágio de calorosa discussão depois da morte do Dr. Schaff, 1893. O trabalho de Kattnebusch, o mais extensivo e exaustivo no assunto, foi seguido por tratamentos das canetas de Harnack, Cremer, Zahn, Loofs, Kunze e outros na Alemanha, Burn e Badcock, 1930, na Inglaterra e McGiffert nos Estados Unidos. A fórmula batismal Romana antiga é levada por Harnack e Mirbt para 150 ou mais cedo, e por Kattenbusch e Zahn para 120 ou mais cedo. A.Seeberg achou as cláusulas nas escrituras do Novo Testamento e manteve que uma fórmula de credo foi usada nos tempos apostólicos. McGiffert, que foi seguido por Krüger, propôs a teoria que a fórmula foi uma resposta para as heresias de Marcião cerca de 160. Badcock se opõe à visão de Kattenbusch, Karnack, e Burn na origem do Credo Apostólico, baseando-se em parte no recentemente descoberto estudo de Ireneu, 'O ensino dos Apóstolos'. O renovado estudo do Credo Apostólico foi seguido por um novo estudo da doutrina do nascimento virginal de Cristo na visão da omissão da cláusula 'concebido pelo Espírito Santo' nas formas da Regra de Fé conhecidas por nós e o enunciado da antiga fórmula batismal romana, 'nascido do Espírito Santo e da Virgem Maria'. O mais recente estudo no nascimento virginal é de Machen, The Virgin Birth of Christ, N.Y.,1930. - Ed.

16. O Credo de Aquiléia tem, depois de Patrem omnipotentem, a adição: 'invisibilem et impassibilem', em oposição ao Sabelianismo e Patripassionismo. Os Credos Orientais inserem um antes de Deus. Marcellus omite Pai, e lê εἰς θεὸνπαντοκράτορα.

17. 'Creatorem cœli et terræ' aparece no Credo Apostólico no final do sétimo século, mas estava presente bem antes das regras de fé ante-Nicenas (Ireneu, Adv. hœr. 1. 100. 10, 1; Tertuliano, De vel. virg. 100. l, 'mundi conditorem'; De prœscr. hæret. 100. 13), no credo Niceno (ποιητὴν οὐρανοῦ καὶ γῆς, κ.τ.λ.), e todos os outros credos orientais, em oposição às escolas gnósticas, que faziam uma distinção entre o verdadeiro Deus e o Criador do mundo (o Demiurgo).

18. 'Qui natus est de Spiritu Sancto ex (ou et ) Maria virgine'.

19. 'Qui CONCEPTUS est de Spiritu Sancto, natus ex Maria virgine'. A distinção entre concepção e nascimento primeiro apareceu em Sermones de Tempore, falsamente atribuído a Agostinho.

20. 'Passus', talvez do Credo de Aquiléia (παθόντα, que aqui significa a crucificação). Em algumas formas 'crucifixus', em outras 'mortuus' é omitido.

21. Do Credo de Aquiléia: 'Descendit ad inferna', ou como o Credo Atanasiano diz, 'ad inferos', para os habitantes do mundo dos espíritos. Alguns credos orientais (arianos): κατέβη εἰς τὸν ᾅδην (também εἰς τὰ καταχθόνια,ou εἰς τὰ κατώτατα). Agostinho diz (Ep. 99, al. 164, §3) que somente descrentes negam 'fuisse apud inferos Christum'. Venantius Fortunatus, D.C. 570, que teve Rufino antes dele, inseriu a cláusula em seu credo. O próprio Rufino, contudo, o compreendeu errado por fazê-lo significar o mesmo que sepultado (§ 18: 'vis verbi eadem videtur esse in eo quod sepultus dicitur').

22. As adições 'Dei' e 'omnipotentis', feitas para conformar com o primeiro artigo, são traçadas até a versão espanhola do Credo como foi dada por Etherius Uxamensis (bispo de Osma), D.C 785, mas já ocorrido nos antigos credos gálicos. Veja Heurtley, pp. 60, 67.

23. 'Credo', em uso comum a partir do tempo de Petrus Chrysologus, d. 450. Mas E, sem repetição do verbo, é sem dúvida a forma primitiva, como cresceu imediatamente a partir da fórmula batismal, e dá uma expressão mais clara e mais próxima da doutrinha da Trindade.

24. 'Catholicam' (universal), de acordo com o Credo Niceno, e mais antigas formas orientais, foi recebido no credo latino antes do fim do quarto século (comp. Agostinho: De Fide et Symbolo, 100. 10). O termo católico, como aplicado à Igreja, ocorre primeiro nas Epístolas de Inácio (Ad Smyrnæos, cap. 8: ὥσπερ ὅπου ἂν ᾖ Χριστὸς Ἰησοῦς, ἐκεῖ ἡ καθολικὴ ἐκκλησία), no Martyrium Polycarpi (inscrição, e cap. 8: ἁπάσης τῆς κατὰ τὴν οἰκουμένην καθολικῆς ἐκκλησίας,comp. 100. 19), onde Cristo é chamado ποιμὴν τῆς κατὰ οἰκουμένην καθολικῆς ἐκκλησίας.

25. O artigo 'Commumionem sanctorum', desconhecido para Agostinho (Enchir. 100. 64, e Serm. 213), aparece primeiro nos 115o e 118o sermões De Tempore, falsamente atribuídos a ele. Não foi encontrado em qualquer dos credos Gregos e antigos credos Latinos. Veja nota de Pearson On the Creed, Art. IX. sub 'The Communion of Saints' (p. 525, ed. Dobson). Heurtley, p. 146, o traz para o final do oitavo século, desde que ele está faltando no Credo de Etherius, 785. Os mais antigos comentadores entenderam-no da comunhão com os santos no céu, mas mais tarde ele assumiu um significado mais amplo: a comunidade de todos os verdadeiros fiéis, vivos e mortos.

(Rufino, § 43). Deve ser declarado, contudo, que há duas outras formas do Credo de Aquiléia dados por Walch (xxxiv. and xxxv.) e por Heurtley (pp. 30–32), que diferem do de Rufino, e são mais próximos da forma romana.

27. Algumas formas norte-africanas (das regiões de Cartago e Hipona) colocam o artigo da Igreja ao final, desta forma: 'vitam eternam per sanctam ecclesiam'. Outras: carnis resurrectionem in vitam æternam. O Credo Grego de Marcellus, que por outro lado concorda com a forma romana antiga, termina com ζωὴν αἰώνιον.

28. A velha forma romana tem somente onze artigos, a menos que o artigo 6 seja dividido em dois; enquanto que o texto recebido tem dezesseis artigos, se 'Criador dos céus e da terra', 'Ele desceu ao Hades', 'a comunhão dos santos' e 'a vida eterna' forem contados separadamente.

29. Pars prima, cap. 1, qu. 2 (Libri Symbolici Eccl. Cath., ed. Streitwolf and Klener, Tom. 1. p. 111): 'Quæ igitur primum Christiani homines tenere debent, illa sunt, quæ fidei duces, doctoresque sancti Apostoli, divino Spiritu afflati, duodecim Symboli articulis distinxerunt. Nam, cum mandatum a Domino accepissent, ut pro ipso legatione fungentes, in universum mundum proficiscerentur, atque omni creaturæ Evangelium prædicarent: Christianæ fidei formulam componendam censuerunt, ut scilicet id omnes sentirent ac dicerent, neque ulla essent inter eos schismata', etc. Ibid. qu. 3: 'Hanc autem Christianæ fidei et spei professionem a se compositam Apostoli Symbolum appellarunt; sive quia ex variis sententiis, quas singuli in commune contulerunt, conflata est; sive quia ea veluti nota, et tessera quandam uterentur, qua desertores et subintroductos falsos fratres, qui Evangelium adulterabant, ab iis, qui veræ Christi militiæ sacramento se obligarent, facile possent internoscere'.

30. Em seu Catecismo, Calvino diz que a fórmula da fé comum cristã é chamada symbolum apostolorum, quod vel ab ore apostolorum excepta fuerit, vel ex eorum scriptis fideliter collecta.


31. Dr. Nevin (l.c. p. 107), que por outro lado coloca a mais alta estima no Credo. Veja as tabelas comparativas do crescimento gradual do Credo no segundo volume de seu trabalho.

Fonte:www.e-cristianismo.com.br/historia-do-cristianismo/documentos-historicos/o-credo