sábado, 31 de outubro de 2015

AGOSTINHO DE HIPONA: VIDA E OBRA

Aurélio Augustinus (Santo Agostinho) nasceu em Tagaste, província romana de Numídia na África (hoje chamada Souk-Ahrás, na atual Árgélia, norte da África), em 13 de novembro de 354.
Seu pai, Patrício, um conselheiro municipal de Tagaste, era um pagão que se converteu ao cristianismo pouco antes de morrer, em 371. Sua mãe, Mônica (Santa Mônica), cristã fervorosa, teria um papel marcante na vida de Agostinho. Além de Agostinho, Patrício e Mônica tiveram mais dois filhos: Navígio, que morreu ainda jovem, e um a irmã, Perpétua (Santa Perpétua), que depois de enviuvar, entrou para vida religiosa, chegando a ser superiora de convento feminino no agostiniano.
Em Tagaste, Agostinho recebeu seus primeiros estudos de gramática, aritmética, latim e um pouco de grego, língua esta que nunca chegou a dominar bem.
Em 365, com 11 anos de idade, foi enviado a Madaura, uma cidade maior, para estudar educação geral. Ali, Agostinho logo começou a brilhar entre seus colegas, e os mestres prediziam-lhe um futuro brilhante. Em contrapartida, sua conduta moral foi, aos poucos, decaindo, na busca de prazeres mundanos.
No início de 370, Agostinho concluiu os estudos e tornou a Tagaste. Ali continuou sua vida de desfrutes, praticando uma série de desmandos junto com outros jovens, como, por exemplo, o famoso “roubo das peras” narrado por ele nas Confissões. Foi naquela época que iniciou, e manteve até os trinta anos, um romance com uma mulher, com a qual, em 372, veio a ter um filho – Adeodato.
Em fins de 370, com 16 anos de idade, depois de quase uma no de ociosidade e vícios, foi enviado a Cartago, capital de Numídia, para fazer seus ensinos superiores.
Com 19 anos, em meio aos seus estudos em Cartago, conheceu e leu a obra Hortensius, de Cícero. Neste livro, o velho atributo, desiludido das ambições políticas, volta-se para a filosofia e exprime suas alegrias na busca das verdades eternas. Esta obra despertava-lhe o gosto pela filosofia, amor intenso pela verdade.
O livro de Cícero foi uma espécie de revelação que o levou a defrontar-se com as verdades eternas. Verdades estas que o perturbariam até sua conversão definitiva ao cristianismo. Entretanto, naquele momento, o supracitado livro ainda não foi capaz de acalmar seu inquieto coração, pois, por mais que tivesse se desviado da religião cristã, seu coração fora marcado pelas palavras de Cristo, pronunciadas por sua mãe. Por isso, nas confissões, Agostinho, ao ler a obra de Cícero, lamenta não ter encontrado nela o nome de Cristo: “Uma coisa me magoava no meio de tão grande orador: não encontrar aí o nome de Cristo” (Conf., III, 4).
Na ausência do nome de Cristo no Hortensius levou Agostinho a procurar a Bíblia, fato que o deixou decepcionado, pois, diante da majestade da obra de Cícero, a Bíblia parecia indigna e modesta: “A sua simplicidade repugnava ao orgulho, e a luz da minha inteligência não lhe penetrava no íntimo” (Conf., III, 5).
Depois da experiência frustrada da leitura da Bíblia, na angústia de encontrar a verdade, Agostinho foi procurar estar em outros lugares. Foi aí que entrou para a seita gnóstica dos maniqueus, onde permaneceria por nove anos (374-383).
De certa forma, o maniqueísmo respondia, pelo menos num primeiro momento, às grandes preocupações de sua vida: encontrar uma explicação ou justificativa para seus erros e contradições, a força que o impulsionava a praticar o mal.
O maniqueísmo era uma seita filosófico-religiosa que se originou na Pérsia, fundada por Mani, que misturava doutrinas do Zoroastro com o cristianismo. Sua tese fundamental consistia em afirmar a existência de dois princípios ontológicos coeternos, criadores do Bem e do Mal, que continuaram em luta no mundo. Trazendo isso para a prática, o maniqueísmo afirmava que o mal que está em nós, ou que cada um pratica, não é por responsabilidade própria, mas por culpa do princípio do mal.
Em Cartago, Agostinho fez um grupo de amigos que formavam a base de sua escola, com quem discutia questões filosóficas. Dessas discussões nasceu seu primeiro livro, De Pulchro et apto (Sobre o belo e o conveniente). É a única obra de Agostinho que se perdeu no tempo.
A partir das leituras dos filósofos gregos e latinos (vistos no curso de Cartago), as respostas maniqueias já não satisfaziam mais Agostinhos. A desilusão instalou-se no seu coração, que não abandonaria definitivamente o maniqueísmo, mas entraria, aos poucos, numa base de ceticismo.
Em 383, aos 29 anos de idade, atraído pela possibilidade de maiores lucros e honras resolve transferir-se para Roma, onde abriria uma escola de retórica. Em pouco tempo, conseguiu fama de orador, tendo sido procurado por várias autoridades, dentre elas Símaco, prefeito da cidade que viria a ter grande admiração por ele.
No ano seguinte, foi convidado por Símaco a ocupar o cargo de orador e professor (rector) da corte imperial. Tendo aceitado o convite, no verão de 384 Agostinho partiu para Milão como funcionário público, onde foi recebido pelas autoridades imperiais, intelectuais e eclesiásticas com grande simpatia e curiosidade.
Milão florescia como uma cidade brilhante. Para lá acorria uma legião de poetas, escritores, oradores e filósofos. A filosofia grega ganhava ali seus adeptos entre os leigos e o clero, especialmente o neoplatonismo, que dominava o ambiente cultural. O catolicismo era importante na cidade. O bispo da cidade, Ambrósio, pronunciava sermões eruditos, elaborados segundo a tradição neoplatônica.
Atraído pela fama de orador do Bispo Ambrósio, Agostinho resolveu ouvi-lo, no início, não pela fé, mas pela curiosidade. As pregações de Ambrósio não levaram, de imediato, Agostinho à Igreja Católica, mas lançaram luz sobre sua alma e, aos poucos, foram acabando com as dúvidas dos seus tempos de maniqueísmo e ceticismo.
Em Milão, pressionado pela nova condição social, Agostinho resolveu casar-se, chegando a pedir a mão de uma jovem de família rica. Entretanto, segundo o próprio Agostinho, o enlace não foi possível, pois “faltavam-lhe [...] quase, dois anos para chegar à idade núbil” (Conf., VI, 13). Sentindo-se traída por Agostinho ter pedido a mão de uma jovem em casamento, sua concubina resolveu abandoná-lo e voltou para a África, e deixando com este seu filho Adeodato.
Em Milão, aos 32 anos, além de Ambrósio, Agostinho conheceu Mânlio Teodoro, personalidade política, que chegou ao cargo de cônsul. Era um homem culto, amante da filosofia neoplatônica. Através dele, leu as Enéadas, de Plotino, traduzidas do grego para o latim por Mário Vitorino.
Através das leituras de Plotino, Agostinho descobriu que Deus é a fonte única de todo bem e que o mal não forma uma substância. Bem como o nous, ou razão natural, remonta ao logos do Evangelho de São João. Foi um importante passo para que Agostinho vencesse seu materialismo rumo a uma especulação filosófico-religiosa.
As leituras neoplatônicas lançavam grandes luzes no coração de Agostinho. Este resolveu procurar Ambrósio, em cujos sermões ouvira falar, muitas vezes, do Plotino. Depois de uma longa conversa, o bispo o aconselhou a procurar Simpliciano, um cristão exemplar que poderia trazer-lhe as respostas que precisava.
Ao procurar Simpliciano, Agostinho contou-lhe que havia lido os escritos neoplatônicos e revelou suas insatisfações. Ele reforçou os méritos dos platônicos, mas chamou a atenção para seus enganos racionais. Em contrapartida, para tal, exalta a necessidade da humidade e redenção divina. E conta-lhe acerca da recente conversão de Mário Vitorino, como exemplo de humildade cristã.
O relato da conversão de Vitorino comoveu Agostinho, como ele mesmo declarou: “Logo que vosso servo Simpliciano me contou tudo isto de Vitorino, imediatamente ardi em desejos de imitá-lo” (Conf., VIII, 5). No final da conversa, Simpliciano aconselhou Agostinho as Sagradas Escrituras, especialmente as cartas paulinas: “Por conseguinte, lancei-me avidamente sobre o venerável estilo (da Sagrada Escritura) ditado pelo vosso Espírito, preferindo, entre outros autores o Apóstolo São Paulo [...]. Comecei a lê-los e notei que tudo o que de verdadeiro tinha lido nos livros platônicos se encontravam naqueles [...]. Com uma grande diferença: os livros platônicos, ao identificarem o Verbo de Deus, ou logos, com o nous, ou razão, esqueciam de dizer que o ‘Verbo se fez homem e habitou entre nós’ (Jo 1,13)” (Conf., VII, 21).
A partir da conversa com Simpliciano, Agostinho passou a viver o dilema entre servir a Deus, a exemplo de Vitorino, ou continuar sua vida devassa. Conflito este que se agravaria até o momento de sua conversão e que se caracterizava pelo que ele chamou de “luta entre duas vontades”: “A vontade de nova que começava a existir em mim, a vontade de vos honrar gratuitamente [...] ainda não se achava apta para superar a outra vontade, fortalecida pela concupiscência [...]. Eu estava certo de que entregar-me ao vosso amor era melhor que ceder ao meu apetite. Mas o primeiro agradava-me e vencia-me; o segundo aprazia-me e encadeava-me [...]” (Conf., VIII, 5).
Outro acontecimento importante para a conversão de Agostinho fora o encontro com Ponticiano, um cristão fiel e compatriota africano que exercia um alto cargo no palácio, que viera visitar Agostinho e que, ao chegar em sua casa, falou acerca da vida de Santo Antão – um monge do Egito até então desconhecido por Agostinho e seus amigos – e de seus seguidores. A narrativa de Ponticiano levou Agostinho a comparar a vida dos jovens que seguiram Santo Antão e a sua, e isso aumentou ainda mais a sua angústia e seu conflito interior: “Quanto mais amava aqueles jovens, de quem ouvia contar salutares exemplos, tanto mais execravelmente me odiava, ao comparar-me com eles [...]. Vós, Senhor, enquanto ele falava, me fazíeis refletir sobre mim mesmo [...]. Vós me colocáveis a mim mesmo diante de mim, e me arremessáveis para a frente de meus olhos, para que, ‘encontrando a minha iniquidade, a odiasse’. Conhecia-a, mas fingia que não via, procurando esquecê-la [...] Vós me colocáveis perante o meu rosto, para que visse como andava torpe, diforme, sujo, manchado e ulceroso. Via-me e horrorizava-me; mas não tinha por onde fugir [...]. Assim me roía interiormente, confundindo-me com horrível e acentuada vergonha, enquanto Ponticiano falava (Conf., VIII, 7).
Terminada a narrativa, Agostinho ficaria profundamente perturbado, sua alma recusava-se a escusar, “tinha medo, como de morte, de ser desviada da corrente de vícios em que ia apodrecendo mortalmente” (Conf., VIII, 7). Depois de discutir com Alípio sobre o que ouviram Agostinho, perturbado, retirou-se para os jardins de sua casa a fim de meditar: “Para lá me levara o tumulto do meu peito, onde ninguém era capaz de evitar a ardente luta que eu travara comigo [...]. Eu rangia em espírito, irando-me com turbulentíssima indignação, por não poder seguir Vosso agrado e aliança...” (Conf., VIII, 8).
A luta interior se agravou quando, de repente, Agostinho caiu em choro e, em meio às suas lágrimas, se interrogou: “Por quanto tempo andarei a clamar: Amanhã, amanhã? Por que não há de ser agora? Porque o termo das minhas torpezas não de vir nesta hora? [...] Assim falava e chorava, oprimido pela mais amarga dor do coração. Eis que, de súbito, ouço a voz da casa próxima. Não sei se era de menino, se de menina. Cantava e repetia frequentes vezes? ‘Toma e lê; toma e lê’” (Conf., VIII, 12).
Surpreendido, Agostinho lembrou-se da narrativa de Ponticiano acerca do momento em que Santo Antão recebeu um sinal de Deus e interpretou sua existência como um chamado de Deus para ler a Bíblia. Daí correu ao encontro de Alípio que lhe entregou o Novo Testamento e este abriu-o espontaneamente e leu o que lhe veio aos olhos, caindo sobre a Epístola de São Paulo (Rm 13.13) que dizia: “Não caminheis em glutonarias e embriaguez, nem em desonestidades e dissoluções, nem em contendas e rixas; mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e não procureis a satisfação da carne com seus apetites”. “Não quis ler mais, nem era necessário. Apenas acabei de ler estas frases, penetrou-me no coração uma espécie de luz serena, e todas as trevas da minha dúvida fugiram” (Conf., VIII 12).
Agostinho mostrou a passagem a Alípio, e, juntos discutiram a experiência; em seguida, foram ao encontro de Mônica contar o ocorrido: estava decidido a ser católico, queria batizar-se.
Convertido, Agostinho desistiu da ideia de casar-se e pediu demissão de seu cargo de rector. Um de seus amigos, Verecundo, colocou à sua disposição uma casa de campo, num lugar chamado Cassicíaco, perto de Milão, para onde se retirou com os amigos, seu filho Adeodato e sua mãe Mônica. Ali iriam preparar-se para o batismo, sob as orientações de Ambrósio. Das circunstancias desse retiro nasceram as suas primeiras obras: Contra os acadêmicos (386), Sobre a vida feliz (386), Sobre a ordem (386) e Solilóquios (387), que ficariam conhecidas por “Diálogos filosóficos de Cassicíaco” ou “Da Juventude”.
Em 387, Agostinho e seu filho Adeodato voltaram a Milão para receberem o batismo. No Sábado Santo (25 de Abril de 387), foram batizados pelo Bispo Ambrósio.
Batizado, sua grande meta seria retornar à terra natal, onde pretendia dedicar-se à vida monástica. Ainda em 387, iniciou o caminho rumo a Tagaste, mas, em passagem pelo Porto de Roma (em Óstia), sua mãe faleceu, com 56 anos de idade. Em 388, chegou à África. Ali, seguindo o preceito evangélico da pobreza, estabeleceu uma espécie de mosteiro, vivendo em companhia de seus amigos. Daquela primeira comunidade nascia o ideal de vida monástica do Ocidente.
De sua experiência de vida comunitária nasceriam as famosas Regras, um ideal de vida monástica que tinha como máxima: “A medida para amar a Deus é amá-lo sem medida” (Reg., 34, 4,7) que seria seguida pelos mosteiros agostinianos, e que influenciaria grande parte das ordens e congregações religiosas espalhadas pelo mundo até hoje.
Agostinho insistia em dizer que não queria ser sacerdote, mas o que ele menos queria aconteceu. Em sua visita a Hipona, ao adentrar na cátedra, em um momento de assembleia, vendo Agostinho se aproximar, o Bispo Valério começou a explicar ao povo seu desejo de encontrar alguém – que o ajudasse a combater as heresias. Agostinho avançava pela Catedral quando, subitamente, uma multidão de fiéis, que gritavam em coro: Agostinho! Agostinho! Arrastou-o forçosamente e o conduziu até o bispo.
No dia seguinte, foi recebido por Valério. Queria confessar-lhe as suas hesitações em ser sacerdote, mas, como era da vontade de Deus, aceitaria. E depois de alguns meses de preparação espiritual, aos 37 anos de idade, Agostinho foi ordenado sacerdote pelas mãos do Bispo Valério.
Diante do prestígio de Agostinho, não só na região, mas em toda África, temendo que a qualquer momento estes fosse chamado (raptado) a servir em outros lugares, o Bispo Valério escreveu ao Primaz da África, pedindo-lhe que o ordenasse bispo-auxiliar de sua diocese. Agostinho tentou fugir mais uma vez de tal compromisso, mas, diante da insistência de Valério, em 395, foi sagrado bispo pelas mãos de Magálio. Um ano depois, com o falecimento de Valério, Agostinho ficaria como bispo-titular de Hipona, onde permaneceu por 36 anos.
Além de intelectual, preocupado com as grandes questões doutrinárias de seu tempo, Agostinho era um bispo popular, que convivia com seu povo, que conhecia as suas ansiedades, sofrimentos e alegrias. Basta vermos as centenas de Cartas e Sermões dirigidos aos seus diocesanos e amigos de outras regiões. Além disso, participava ativamente da vida político-social de sua época, interferindo, reivindicando e intercedendo junto às autoridades por seu rebanho.
Em 410, Agostinho acompanhou atentamente os acontecimentos acerca do saque de Roma por Alarico. Diante das acusações dos romanos de que a debilidade do Império estaria na sua adesão ao cristianismo, Marcelino, tribuno romano, pediu a Agostinho desse uma resposta a tais acusações, e ele escreveu a obra Sobre a Cidade de Deus, em defesa dos cristãos, que ao lado das Confissões, do Comentário aos Salmos e do tratado Sobre a Trindade, forma o conjunto das obras mais importantes de Agostinho.
No final de sua vida iniciaria outra importante obra, Retractationum (Retratações), como um olhar retrospectivo de todas as suas obras anteriores, mas que ficaria inacabada.

Agostinho faleceu no dia 28 de agosto de 430. Seu corpo foi enterrado na Basilica Pacis (Basílica da Paz) de Hipona onde, por 36 anos, ressoou a voz daquele que, para sempre, seria o “Bispo de Hipona”. Mais tarde, seus restos mortais foram levados para Sardenha, na Itália, depois, na época das invasões dos vândalos, foram transferidos para a Catedral de Pavia, onde permanecem até hoje.

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