Muito
já foi escrito e discutido sobre a conversão de Constantino. Pouco depois de
ela ter acontecido houve escritores cristãos, como veremos no próximo capítulo,
que quiseram mostrar que essa conversão era o ponto culminante de toda a
história da igreja. Outros têm dito que Constantino não passava de um político
hábil que percebeu as vantagens que poderia obter com uma “conversão” e, por
isso, decidiu juntar-se à sua causa do cristianismo.
As
duas interpretações são exageradas. Bastar ler os documentos da época para ver
que a conversão de Constantino foi bem diferente da conversão comum de um
cristão. Quando algum pagão se convertia, ele era submetido a um longo processo
de disciplina e ensino, a fim de que houvesse certeza de que o novo convertido
entendia e vivia sua nova fé, e então era batizado. O novo convertido, então,
seguia seu bispo como guia e pastor, para descobrir o significado da sua fé nas
situações concretas da vida.
O
caso de Constantino foi bem diferente. Mesmo depois da batalha da Ponte Mílvia,
e durante toda a sua vida, Constantino nunca se submeteu em nenhum aspecto à
autoridade pastoral da igreja. Ele contava com o conselho de cristãos, como o
sábio Lactando (tutor de seu filho Crispo) e o bispo Óssio de Córdoba (seu
conselheiro para assuntos eclesiásticos), mas Constantino sempre se reservou o
direito de determinar ele mesmo suas atitudes religiosas, pois considerava-se
“bispo dos bispos”. Repetidamente, mesmo depois da sua conversão, Constantino
participou de rituais pagãos que eram proibidos aos cristãos comuns, e os
bispos não levantaram a voz em protesto e condenação, como teriam feito em
qualquer outro caso.
O
que acontecia não era somente que Constantino era uma pessoa ao mesmo tempo
poderosa e irascível. O imperador também, apesar da sua política cada vez mais
favorável aos cristãos e das suas afirmações de crer no poder de Jesus Cristo,
tecnicamente pelo menos não era cristão, pois não tinha se submetido ao
batismo. Constantino, na verdade, só foi batizado no leito de sua morte. De
maneira que qualquer política ou edito em favor dos cristãos, da parte do
imperador, era recebido pela igreja como um favor feito por um amigo ou
simpatizante. Qualquer deslize religioso de Constantino era encarado da mesma
perspectiva: como a ação de alguém que não fazia parte do grupo dos fiéis,
ainda que fosse simpatizante deles. Uma pessoa assim podia receber conselhos da
igreja, mas nunca sua direção ou condenação. Essa situação se encaixava
perfeitamente nos propósitos de sua direção ou condenação. Essa situação se
encaixava perfeitamente nos propósitos de Constantino e, por isso, ele teve o
cuidado de somente se deixar batizar no leito de morte.
Em
contrapartida, os que acham que Constantino se converteu simplesmente por
oportunismo político estão equivocados por diversas razões. A primeira delas é
que essa interpretação é anacrônica demais, alheia aos costumes da época. Até
onde sabemos ninguém em toda antiguidade se acertou da questão religiosa com
oportunismo político que tem sido característico da idade moderna. Para os
antigos, os deuses eram realidades que bem concretas, e mesmo os mais céticos
temiam e respeitavam os poderes sobrenaturais. Por isso, pensar que Constantino
foi hipócrita ao se declarar cristão, sem crer de fato em Jesus Cristo, é
anacronismo. A segunda razão é que na verdade, do ponto de vista puramente
político, a conversão de Constantino aconteceu no pior momento possível. Quando
Constantino adotou o labarum por
emblema, ele estava se preparando para lutar pela cidade de Roma, centro das
tradições pagãs, onde seus principais aliados eram os membros da velha
aristocracia pagã, que se consideravam oprimidos por Magêncio. A maior força
numérica do cristianismo não estava no Ocidente, onde Constantino governava e
lutava contra Magêncio, mas no Oriente, para onde sua atenção seria dirigida
somente anos mais tarde.
Por
último, a opinião oportunista é equivocada, porque o grau de apoio que os
cristãos poderiam ter prestado a Constantino era muito duvidoso. A igreja
sempre tivera dúvidas sobre se os cristãos poderiam prestar serviço militar e,
por isso, o número de cristãos no exército era pequeno. Entre a população
civil, a maioria dos cristãos fazia parte da classe baixam que não poderia dar
muito apoio financeiro às intenções de Constantino. E, de qualquer forma,
depois de quase três séculos de medo do Império, ninguém poderia predizer qual
seria a reação dos cristãos diante do fenômeno inesperado de um imperador
cristão.
O
mais certo parece ser que Constantino cria mesmo no poder de Jesus Cristo. Essa
afirmação, entretanto, não implica que o imperador entendesse sua nova fé como
os muitos cristãos que tinham entregue sua vida por ela a entendiam. Para
Constantino, o Deus dos cristãos era um ser extremamente poderoso, que estava
disposto a ajuda-lo sempre e quando ele favorecesse aos seus fiéis. Quando
Constantino, portanto, começou a construir igrejas e a proclamar leis
favoráveis ao cristianismo, ele não estava tanto buscando o favor dos cristãos,
mas o de Deus. Esse Deus lhe tinha dado a vitória em Ponte Mílvia, e muitas
outras que se seguiram. Em certo sentido, a fé de Constantino era semelhante à
de Licínio, que disse aos seus soldados que o labarum de Constantino possuía certo poder sobrenatural, e que
todos deveriam temê-lo. A diferença era que Constantino tinha se apropriado
desse poder, servindo a causa dos cristãos. Essa interpretação encontra apoio
nas declarações do próprio Constantino que a história conservou, mostrando-nos
um homem sincero cuja compreensão do evangelho era reduzida.
Constantino
interpretava a fé em Jesus Cristo de uma maneira que não o impedia de adorar a
outros deuses. Seu pai já tinha sido devoto do Sol Invicto. Esse era um culto
ao Deus Supremo, cujo símbolo era o Sol, mesmo não negando a existência de
outros deuses. Parece que Constantino, durante boa parte da sua carreira
política, pensou que o Sol Invicto e o Deus dos cristãos eram o mesmo ser, e
que os outros deuses também eram reais e relativamente poderosos, apesar de
serem divindade subalternas. Por essa razão, Constantino podia consultar o
oráculo de Apolo, aceitar o título de sumo sacerdote dos deuses
tradicionalmente conferido aos imperadores e participar de cerimônias pagãs de
todos os tipos, sem pensar com isso estar traindo ou abandonando o Deus que lhe
teria dado a vitória e o poder.
Além
disso, Constantino era um político hábil. Ele tinha tanto poder que podia
favorecer os cristãos, construir igrejas e até apossar de algumas imagens de
deuses para mandá-las para Constantinopla. Mas, se ele quisesse suprimir todo o
culto pagão, o imperador imediatamente teria de enfrentar uma oposição
irresistível. Os velhos deuses não estavam totalmente esquecidos. A velha
aristocracia e as extensas zonas rurais ainda não tinham sido atingidas pela
pregação cristã. No exército havia muitos seguidores de Mitra e de outros deuses.
A Academia de Atenas e o Museu de Alexandria, os dois grandes centros de estudo
da época, dedicavam-se ao ensino da velha sabedoria pagã. Querer suprimir tudo
isso através de um mandato imperial era impossível – ainda mais porque o
imperador não via nenhuma contradição entre o Sol Invicto e a fé cristã.
A
política religiosa e Constantino segui processo lento, mas constante. O mais
provável é que isso não foi causado somente por exigência das circunstâncias,
mas também por um progresso interno no próprio Constantino, à medida que ele
deixava atrás de si a velha religião e compreendia melhor o alcance da nova. No
começo, Constantino se limitou a garantir a paz da igreja, e a devolver-lhe as
propriedades que haviam sido confiscadas durante a perseguição. Pouco depois,
ele começou a apoiar a igreja mais decididamente, como, por exemplo, doando-lhe
o palácio de Latrão, em Roma, que pertencia à família de sua esposa, e
ordenando que os bispos que se dirigiam para o sínodo de Arles, em 314,
utilizassem os meios de transporte imperiais, sem nenhum ônus para a igreja. Ao
mesmo tempo, entretanto, ele tentava manter boas relações com os devotos dos
cultos antigos e, particularmente, com o Senado romano. O Império oficialmente
era pagão, e correspondia a Constantino, como cabeça do Império, o título de
sumo sacerdote. Negar-se a aceitá-lo
seria rejeitar de forma súbita todas as antigas tradições do Império – e
Constantino não estava disposto a tanto. Até 320, as moedas de Constantino
frequentemente apresentavam símbolos e os nomes dos velhos deuses, ainda que
muitas já contivessem também o monograma de Cristo.
A
campanha de Licínio deu a Constantino uma nova oportunidade de aparecer como
defensor do cristianismo. Era precisamente nos territórios que antes tinham
pertencido a Licínio que a igreja era numericamente mais forte. Por isso,
Constantino pôde nomear vários cristãos para cargos elevados na máquina
administrativa do governo, e até pareceu que ele favorecia os cristãos, em
detrimento dos pagãos. Ao mesmo tempo, suas desavenças com o Senado romano
aumentavam, sendo que este até mesmo empreendeu uma campanha para reavivar a
antiga religião, de modo que Constantino se sentiu cada vez mais inclinado a
favorecer os cristãos.
Em
324, um imperial ordenou que todos os soldados adorassem o Deus supremo no
primeiro dia da semana. Esse era o dia em que os cristãos celebravam a
ressurreição do seu Senhor, mas era também o dia dedicado ao culto do Sol
Invicto, e, por isso, os pagãos não podiam opor-se ao edito. No ano seguinte,
325, reuniu-se em Niceia a grande assembleia de bispos conhecida como o
primeiro concílio ecumênico. Essa assembleia foi convocada por Constantino, e
os bispos viajaram às extensas do tesouro imperial.
Já
vimos como a fundação de Constantinopla foi um passo adiante nesse processo. Já
o fato de criar um “nova Roma” em si era uma tentativa de fugir do poder das
velhas famílias pagãs da aristocracia romana. Mas principalmente a política de
utilizar os tesouros artísticos dos templos pagãos para a construção de
Constantinopla fez com que o velho paganismo, até então rodeado de riquezas e
pompa, ficasse cada vez mais pobre. É verdade que durante o governo de
Constantino foram construídos e restaurados alguns templos pagãos. Em termos
gerais, porém, os santuários pagãos perderam muito do seu esplendor ao mesmo
tempo em que eram construídas enormes e suntuosas igrejas cristãs.
Apesar
de tudo isso, Constantino continuou se comportando, até quase o fim dos seus
dias, como sumo sacerdote do paganismo. Quando ele morreu, seus três filhos,
que lhe sucederam não se opuseram ao desejo do Senado de divinizá-lo, e assim
surgiu o fato bizarro de que Constantino, que tanto tinha feito de mal ao culto
pagão, passou a ser um dos seus deuses.
Fonte: GONZALES, Justo - História Ilustrada do Cristianismo