Aurélio Augustinus
(Santo Agostinho) nasceu em Tagaste, província romana de Numídia na África
(hoje chamada Souk-Ahrás, na atual Árgélia, norte da África), em 13 de novembro
de 354.
Seu pai, Patrício, um
conselheiro municipal de Tagaste, era um pagão que se converteu ao cristianismo
pouco antes de morrer, em 371. Sua mãe, Mônica (Santa Mônica), cristã
fervorosa, teria um papel marcante na vida de Agostinho. Além de Agostinho,
Patrício e Mônica tiveram mais dois filhos: Navígio, que morreu ainda jovem, e
um a irmã, Perpétua (Santa Perpétua), que depois de enviuvar, entrou para vida
religiosa, chegando a ser superiora de convento feminino no agostiniano.
Em Tagaste, Agostinho
recebeu seus primeiros estudos de gramática, aritmética, latim e um pouco de
grego, língua esta que nunca chegou a dominar bem.
Em 365, com 11 anos de
idade, foi enviado a Madaura, uma cidade maior, para estudar educação geral.
Ali, Agostinho logo começou a brilhar entre seus colegas, e os mestres
prediziam-lhe um futuro brilhante. Em contrapartida, sua conduta moral foi, aos
poucos, decaindo, na busca de prazeres mundanos.
No início de 370,
Agostinho concluiu os estudos e tornou a Tagaste. Ali continuou sua vida de desfrutes,
praticando uma série de desmandos junto com outros jovens, como, por exemplo, o
famoso “roubo das peras” narrado por ele nas Confissões. Foi naquela época que iniciou, e manteve até os trinta
anos, um romance com uma mulher, com a qual, em 372, veio a ter um filho –
Adeodato.
Em fins de 370, com 16
anos de idade, depois de quase uma no de ociosidade e vícios, foi enviado a
Cartago, capital de Numídia, para fazer seus ensinos superiores.
Com 19 anos, em meio
aos seus estudos em Cartago, conheceu e leu a obra Hortensius, de Cícero. Neste livro, o velho atributo, desiludido
das ambições políticas, volta-se para a filosofia e exprime suas alegrias na
busca das verdades eternas. Esta obra despertava-lhe o gosto pela filosofia,
amor intenso pela verdade.
O livro de Cícero foi
uma espécie de revelação que o levou a defrontar-se com as verdades eternas.
Verdades estas que o perturbariam até sua conversão definitiva ao cristianismo.
Entretanto, naquele momento, o supracitado livro ainda não foi capaz de acalmar
seu inquieto coração, pois, por mais que tivesse se desviado da religião
cristã, seu coração fora marcado pelas palavras de Cristo, pronunciadas por sua
mãe. Por isso, nas confissões, Agostinho, ao ler a obra de Cícero, lamenta não
ter encontrado nela o nome de Cristo: “Uma coisa me magoava no meio de tão
grande orador: não encontrar aí o nome de Cristo” (Conf., III, 4).
Na ausência do nome de
Cristo no Hortensius levou Agostinho
a procurar a Bíblia, fato que o deixou decepcionado, pois, diante da majestade
da obra de Cícero, a Bíblia parecia indigna e modesta: “A sua simplicidade
repugnava ao orgulho, e a luz da minha inteligência não lhe penetrava no
íntimo” (Conf., III, 5).
Depois da experiência
frustrada da leitura da Bíblia, na angústia de encontrar a verdade, Agostinho
foi procurar estar em outros lugares. Foi aí que entrou para a seita gnóstica
dos maniqueus, onde permaneceria por nove anos (374-383).
De certa forma, o
maniqueísmo respondia, pelo menos num primeiro momento, às grandes preocupações
de sua vida: encontrar uma explicação ou justificativa para seus erros e
contradições, a força que o impulsionava a praticar o mal.
O maniqueísmo era uma
seita filosófico-religiosa que se originou na Pérsia, fundada por Mani, que
misturava doutrinas do Zoroastro com o cristianismo. Sua tese fundamental
consistia em afirmar a existência de dois princípios ontológicos coeternos,
criadores do Bem e do Mal, que continuaram em luta no mundo. Trazendo isso para
a prática, o maniqueísmo afirmava que o mal que está em nós, ou que cada um
pratica, não é por responsabilidade própria, mas por culpa do princípio do mal.
Em Cartago, Agostinho
fez um grupo de amigos que formavam a base de sua escola, com quem discutia
questões filosóficas. Dessas discussões nasceu seu primeiro livro, De Pulchro et apto (Sobre o belo e o
conveniente). É a única obra de Agostinho que se perdeu no tempo.
A partir das leituras
dos filósofos gregos e latinos (vistos no curso de Cartago), as respostas
maniqueias já não satisfaziam mais Agostinhos. A desilusão instalou-se no seu
coração, que não abandonaria definitivamente o maniqueísmo, mas entraria, aos
poucos, numa base de ceticismo.
Em 383, aos 29 anos de
idade, atraído pela possibilidade de maiores lucros e honras resolve
transferir-se para Roma, onde abriria uma escola de retórica. Em pouco tempo,
conseguiu fama de orador, tendo sido procurado por várias autoridades, dentre
elas Símaco, prefeito da cidade que viria a ter grande admiração por ele.
No ano seguinte, foi
convidado por Símaco a ocupar o cargo de orador e professor (rector) da corte imperial. Tendo
aceitado o convite, no verão de 384 Agostinho partiu para Milão como
funcionário público, onde foi recebido pelas autoridades imperiais,
intelectuais e eclesiásticas com grande simpatia e curiosidade.
Milão florescia como
uma cidade brilhante. Para lá acorria uma legião de poetas, escritores,
oradores e filósofos. A filosofia grega ganhava ali seus adeptos entre os
leigos e o clero, especialmente o neoplatonismo, que dominava o ambiente cultural.
O catolicismo era importante na cidade. O bispo da cidade, Ambrósio,
pronunciava sermões eruditos, elaborados segundo a tradição neoplatônica.
Atraído pela fama de
orador do Bispo Ambrósio, Agostinho resolveu ouvi-lo, no início, não pela fé,
mas pela curiosidade. As pregações de Ambrósio não levaram, de imediato,
Agostinho à Igreja Católica, mas lançaram luz sobre sua alma e, aos poucos,
foram acabando com as dúvidas dos seus tempos de maniqueísmo e ceticismo.
Em Milão, pressionado
pela nova condição social, Agostinho resolveu casar-se, chegando a pedir a mão
de uma jovem de família rica. Entretanto, segundo o próprio Agostinho, o enlace
não foi possível, pois “faltavam-lhe [...] quase, dois anos para chegar à idade
núbil” (Conf., VI, 13). Sentindo-se
traída por Agostinho ter pedido a mão de uma jovem em casamento, sua concubina
resolveu abandoná-lo e voltou para a África, e deixando com este seu filho
Adeodato.
Em Milão, aos 32 anos,
além de Ambrósio, Agostinho conheceu Mânlio Teodoro, personalidade política,
que chegou ao cargo de cônsul. Era um homem culto, amante da filosofia
neoplatônica. Através dele, leu as Enéadas,
de Plotino, traduzidas do grego para o latim por Mário Vitorino.
Através das leituras de
Plotino, Agostinho descobriu que Deus é a fonte única de todo bem e que o mal
não forma uma substância. Bem como o nous,
ou razão natural, remonta ao logos do
Evangelho de São João. Foi um importante passo para que Agostinho vencesse seu
materialismo rumo a uma especulação filosófico-religiosa.
As leituras
neoplatônicas lançavam grandes luzes no coração de Agostinho. Este resolveu
procurar Ambrósio, em cujos sermões ouvira falar, muitas vezes, do Plotino.
Depois de uma longa conversa, o bispo o aconselhou a procurar Simpliciano, um
cristão exemplar que poderia trazer-lhe as respostas que precisava.
Ao procurar
Simpliciano, Agostinho contou-lhe que havia lido os escritos neoplatônicos e
revelou suas insatisfações. Ele reforçou os méritos dos platônicos, mas chamou
a atenção para seus enganos racionais. Em contrapartida, para tal, exalta a
necessidade da humidade e redenção divina. E conta-lhe acerca da recente
conversão de Mário Vitorino, como exemplo de humildade cristã.
O relato da conversão
de Vitorino comoveu Agostinho, como ele mesmo declarou: “Logo que vosso servo
Simpliciano me contou tudo isto de Vitorino, imediatamente ardi em desejos de
imitá-lo” (Conf., VIII, 5). No final
da conversa, Simpliciano aconselhou Agostinho as Sagradas Escrituras,
especialmente as cartas paulinas: “Por conseguinte, lancei-me avidamente sobre
o venerável estilo (da Sagrada Escritura) ditado pelo vosso Espírito,
preferindo, entre outros autores o Apóstolo São Paulo [...]. Comecei a lê-los e
notei que tudo o que de verdadeiro tinha lido nos livros platônicos se encontravam
naqueles [...]. Com uma grande diferença: os livros platônicos, ao
identificarem o Verbo de Deus, ou logos,
com o nous, ou razão, esqueciam de
dizer que o ‘Verbo se fez homem e habitou
entre nós’ (Jo 1,13)” (Conf.,
VII, 21).
A partir da conversa
com Simpliciano, Agostinho passou a viver o dilema entre servir a Deus, a
exemplo de Vitorino, ou continuar sua vida devassa. Conflito este que se
agravaria até o momento de sua conversão e que se caracterizava pelo que ele
chamou de “luta entre duas vontades”: “A vontade de nova que começava a existir
em mim, a vontade de vos honrar gratuitamente [...] ainda não se achava apta
para superar a outra vontade, fortalecida pela concupiscência [...]. Eu estava
certo de que entregar-me ao vosso amor era melhor que ceder ao meu apetite. Mas
o primeiro agradava-me e vencia-me; o segundo aprazia-me e encadeava-me [...]”
(Conf., VIII, 5).
Outro acontecimento
importante para a conversão de Agostinho fora o encontro com Ponticiano, um
cristão fiel e compatriota africano que exercia um alto cargo no palácio, que
viera visitar Agostinho e que, ao chegar em sua casa, falou acerca da vida de
Santo Antão – um monge do Egito até então desconhecido por Agostinho e seus
amigos – e de seus seguidores. A narrativa de Ponticiano levou Agostinho a
comparar a vida dos jovens que seguiram Santo Antão e a sua, e isso aumentou
ainda mais a sua angústia e seu conflito interior: “Quanto mais amava aqueles
jovens, de quem ouvia contar salutares exemplos, tanto mais execravelmente me
odiava, ao comparar-me com eles [...]. Vós, Senhor, enquanto ele falava, me
fazíeis refletir sobre mim mesmo [...]. Vós me colocáveis a mim mesmo diante de
mim, e me arremessáveis para a frente de meus olhos, para que, ‘encontrando a
minha iniquidade, a odiasse’. Conhecia-a, mas fingia que não via, procurando
esquecê-la [...] Vós me colocáveis perante o meu rosto, para que visse como
andava torpe, diforme, sujo, manchado e ulceroso. Via-me e horrorizava-me; mas
não tinha por onde fugir [...]. Assim me roía interiormente, confundindo-me com
horrível e acentuada vergonha, enquanto Ponticiano falava (Conf., VIII, 7).
Terminada a narrativa,
Agostinho ficaria profundamente perturbado, sua alma recusava-se a escusar, “tinha
medo, como de morte, de ser desviada da corrente de vícios em que ia
apodrecendo mortalmente” (Conf.,
VIII, 7). Depois de discutir com Alípio sobre o que ouviram Agostinho,
perturbado, retirou-se para os jardins de sua casa a fim de meditar: “Para lá
me levara o tumulto do meu peito, onde ninguém era capaz de evitar a ardente
luta que eu travara comigo [...]. Eu rangia em espírito, irando-me com
turbulentíssima indignação, por não poder seguir Vosso agrado e aliança...” (Conf., VIII, 8).
A luta interior se
agravou quando, de repente, Agostinho caiu em choro e, em meio às suas
lágrimas, se interrogou: “Por quanto tempo andarei a clamar: Amanhã, amanhã?
Por que não há de ser agora? Porque o termo das minhas torpezas não de vir
nesta hora? [...] Assim falava e chorava, oprimido pela mais amarga dor do
coração. Eis que, de súbito, ouço a voz da casa próxima. Não sei se era de
menino, se de menina. Cantava e repetia frequentes vezes? ‘Toma e lê; toma e lê’”
(Conf., VIII, 12).
Surpreendido, Agostinho
lembrou-se da narrativa de Ponticiano acerca do momento em que Santo Antão
recebeu um sinal de Deus e interpretou sua existência como um chamado de Deus
para ler a Bíblia. Daí correu ao encontro de Alípio que lhe entregou o Novo
Testamento e este abriu-o espontaneamente e leu o que lhe veio aos olhos,
caindo sobre a Epístola de São Paulo (Rm 13.13) que dizia: “Não caminheis em glutonarias e embriaguez,
nem em desonestidades e dissoluções, nem em contendas e rixas; mas revesti-vos
do Senhor Jesus Cristo e não procureis a satisfação da carne com seus
apetites”. “Não quis ler mais, nem era necessário. Apenas acabei de ler estas
frases, penetrou-me no coração uma espécie de luz serena, e todas as trevas da
minha dúvida fugiram” (Conf., VIII
12).
Agostinho mostrou a
passagem a Alípio, e, juntos discutiram a experiência; em seguida, foram ao
encontro de Mônica contar o ocorrido: estava decidido a ser católico, queria
batizar-se.
Convertido, Agostinho
desistiu da ideia de casar-se e pediu demissão de seu cargo de rector. Um de seus amigos, Verecundo,
colocou à sua disposição uma casa de campo, num lugar chamado Cassicíaco, perto
de Milão, para onde se retirou com os amigos, seu filho Adeodato e sua mãe
Mônica. Ali iriam preparar-se para o batismo, sob as orientações de Ambrósio.
Das circunstancias desse retiro nasceram as suas primeiras obras: Contra os acadêmicos (386), Sobre a vida feliz (386), Sobre a ordem (386) e Solilóquios (387), que ficariam conhecidas
por “Diálogos filosóficos de Cassicíaco” ou “Da Juventude”.
Em 387, Agostinho e seu
filho Adeodato voltaram a Milão para receberem o batismo. No Sábado Santo (25
de Abril de 387), foram batizados pelo Bispo Ambrósio.
Batizado, sua grande
meta seria retornar à terra natal, onde pretendia dedicar-se à vida monástica.
Ainda em 387, iniciou o caminho rumo a Tagaste, mas, em passagem pelo Porto de
Roma (em Óstia), sua mãe faleceu, com 56 anos de idade. Em 388, chegou à
África. Ali, seguindo o preceito evangélico da pobreza, estabeleceu uma espécie
de mosteiro, vivendo em companhia de seus amigos. Daquela primeira comunidade
nascia o ideal de vida monástica do Ocidente.
De sua experiência de
vida comunitária nasceriam as famosas Regras,
um ideal de vida monástica que tinha como máxima: “A medida para amar a Deus é
amá-lo sem medida” (Reg., 34, 4,7)
que seria seguida pelos mosteiros agostinianos, e que influenciaria grande
parte das ordens e congregações religiosas espalhadas pelo mundo até hoje.
Agostinho insistia em
dizer que não queria ser sacerdote, mas o que ele menos queria aconteceu. Em
sua visita a Hipona, ao adentrar na cátedra, em um momento de assembleia, vendo
Agostinho se aproximar, o Bispo Valério começou a explicar ao povo seu desejo
de encontrar alguém – que o ajudasse a combater as heresias. Agostinho avançava
pela Catedral quando, subitamente, uma multidão de fiéis, que gritavam em coro:
Agostinho! Agostinho! Arrastou-o forçosamente e o conduziu até o bispo.
No dia seguinte, foi
recebido por Valério. Queria confessar-lhe as suas hesitações em ser sacerdote,
mas, como era da vontade de Deus, aceitaria. E depois de alguns meses de
preparação espiritual, aos 37 anos de idade, Agostinho foi ordenado sacerdote
pelas mãos do Bispo Valério.
Diante do prestígio de
Agostinho, não só na região, mas em toda África, temendo que a qualquer momento
estes fosse chamado (raptado) a servir em outros lugares, o Bispo Valério
escreveu ao Primaz da África, pedindo-lhe que o ordenasse bispo-auxiliar de sua
diocese. Agostinho tentou fugir mais uma vez de tal compromisso, mas, diante da
insistência de Valério, em 395, foi sagrado bispo pelas mãos de Magálio. Um ano
depois, com o falecimento de Valério, Agostinho ficaria como bispo-titular de
Hipona, onde permaneceu por 36 anos.
Além de intelectual,
preocupado com as grandes questões doutrinárias de seu tempo, Agostinho era um
bispo popular, que convivia com seu povo, que conhecia as suas ansiedades,
sofrimentos e alegrias. Basta vermos as centenas de Cartas e Sermões
dirigidos aos seus diocesanos e amigos de outras regiões. Além disso,
participava ativamente da vida político-social de sua época, interferindo,
reivindicando e intercedendo junto às autoridades por seu rebanho.
Em 410, Agostinho
acompanhou atentamente os acontecimentos acerca do saque de Roma por Alarico.
Diante das acusações dos romanos de que a debilidade do Império estaria na sua
adesão ao cristianismo, Marcelino, tribuno romano, pediu a Agostinho desse uma
resposta a tais acusações, e ele escreveu a obra Sobre a Cidade de Deus, em defesa dos cristãos, que ao lado das Confissões, do Comentário aos Salmos e do tratado Sobre a Trindade, forma o conjunto das obras mais importantes de
Agostinho.
No final de sua vida
iniciaria outra importante obra, Retractationum
(Retratações), como um olhar retrospectivo de todas as suas obras
anteriores, mas que ficaria inacabada.
Agostinho faleceu no
dia 28 de agosto de 430. Seu corpo foi enterrado na Basilica Pacis (Basílica da Paz) de Hipona onde, por 36 anos,
ressoou a voz daquele que, para sempre, seria o “Bispo de Hipona”. Mais tarde,
seus restos mortais foram levados para Sardenha, na Itália, depois, na época
das invasões dos vândalos, foram transferidos para a Catedral de Pavia, onde
permanecem até hoje.