Duas histórias me marcaram dias atrás, ambas relacionadas com a prática da
oração. A primeira delas é sobre Martinho Lutero. Dizem os estudiosos que
Lutero foi um homem dedicado ao extremo à obra de Deus. Incansavelmente, desde
o raiar do dia, ele investia horas a fio no estudo, tradução e comentários
teológicos, produzindo um vasto material e um grande legado. Apesar de tantas
obrigações auto-impostas, Lutero passava uma ou duas horas do dia orando.
Curiosa mesmo era sua explicação para orar tanto tempo: “Eu oro muito porque
tenho muita coisa para fazer”.
A segunda história tem como pano de fundo as atividades de uma comissão
eclesiástica para a contratação de um pastor. Enquanto a comissão examinava o
candidato sobre suas posições teológicas e sua experiência administrativa, uma
senhora piedosa o interrogou a respeito de quanto tempo ele gastava em oração.
Um silêncio profundo foi sentido até que outro membro da comissão explicou que
o pastor, antes de pregar, dirigiu a igreja em oração por cerca de quatro
minutos. A gentil senhora então explicou: “Não foi isso o que eu quis dizer. Eu
quero saber quanto o senhor ora pela igreja, pelos membros e por você mesmo em
seu tempo devocional”.
Essas duas histórias chamaram minha atenção, pois falam da oração feita
em momentos em que se imagina que ela consome tempo e esforço necessários para
tarefas “mais importantes”. As duas histórias nos lembram como esse conceito é
falso e quanto a oração é necessária, inclusive – se não
“principalmente” –, nos momentos mais atarefados e difíceis da vida.
O rei Davi é um bom exemplo, no Salmo 20, de priorização da
oração em momentos difíceis. Ao que tudo indica, ele vivenciava a iminência de
uma guerra. A batalha se aproximava e todos os preparativos deviam ser feitos:
o deslocamento das tropas, a preparação das armas, a instrução dos comandantes,
a organização das provisões, o encorajamento dos soldados e muitas outras
tarefas imprescindíveis para enfrentar militarmente um inimigo. Tudo isso leva
tempo e dá muito trabalho. Na verdade, exige empenho total, principalmente por
parte do comandante – nesse caso, o rei.
É nesse momento tão atarefado que Davi encontra tempo para orar, ou
melhor, ele prioriza a oração. E não somente para ele, mas para todo o povo. O Salmo
20 é uma composição a fim de os israelitas se dirigirem a Deus em oração
pedindo suas bênçãos sobre o exército e clamando por vitória para seu rei. O
mesmo salmo parece servir como veículo para levar o povo da terra e os soldados
a atitudes corretas diante de Deus a fim de, com a verdade em mente, cumprir
cada um seu papel em consonância com a vontade do Senhor. Pelo menos três
atitudes são incentivadas por Davi por meio do salmo que deveria ser
repetido, em espírito de oração, pelo povo.
A primeira delas é a petição. O salmo inicia com o povo
orando pelo rei (v.1): “Que o Senhor te atenda no dia perigoso. Que o
nome do Deus de Jacó te defenda”. Como o rei Davi lutou com o exército e o
liderou no campo de batalha por boa parte da sua vida, o povo clama a Deus que
lhe dê proteção diante do perigo de ser ferido na luta e para ser mantido
seguro. A ideia é ser colocado em um lugar alto, como um pequeno filhote, para
os predadores não o alcançarem. Apesar de haver um exército para proteger o
rei, sem falar na sua guarda pessoal, o povo clama por um auxílio que vem de
outra fonte que não soldados e generais. O pedido é (v.2): “Que envie
ajuda para ti do santuário e de Sião te sustente”. A fonte da ajuda a Davi
deveria vir do “santuário” e do “monte Sião”, ambos localizados em Jerusalém.
Na verdade, essa é uma figura de linguagem para se referir àquele que era
adorado no santuário e em Sião. É o Senhor Deus a fonte da proteção do seu
servo na batalha. Esse tom de petição permanece até o final do salmo (v.9):
“Preserve o rei, ó Senhor”.
A segunda atitude é a submissão. Apesar de o desejo do povo,
dos soldados e do próprio rei ser a vitória, sua petição se submete ao plano e
ao desejo do Deus dos exércitos. Sua oração não age como se fosse um modo de
convencer Deus a cumprir a vontade dos pedintes. Ao contrário, é um ato de
confiança e de submissão àquele cuja vontade é boa (Rm 12.2) e cuja
soberania é imbatível (Dn 4.35; Ef 1.11). Assim, eles oram (v.4):
“Dê-lhe conforme o teu coração e cumpra todos os teus planos”. Essa é uma
oração corajosa. Lógica também, pois se baseia na revelação das Escrituras de
que Deus faz tudo conforme lhe apraz. Entretanto, é corajosa por abrir mão de
decidir seu rumo confiando que os rumos do Senhor, coincidindo ou não com o dos
solicitantes, são sempre os melhores. Portanto, não é uma coragem
irresponsável, mas a confiança corajosa de quem conhece seu Senhor. Por isso,
eles declaram (v.7): “Uns confiam nos carros e outros nos cavalos, mas
nós invocaremos o nome do Senhor nosso Deus”.
A terceira é a gratidão. Mesmo parecendo extemporâneo, o
povo, pela escrita de Davi, já fala de agradecimentos e louvores a Deus pela
vitória. Devemos notar que não há aqui qualquer tipo de superstição do tipo
“agradeça antes para que venha a acontecer”. O salmista conhece o modo de Deus
agir nas situações da vida. Não era a primeira vez que Davi lutaria apoiado por
Deus. Ele sabia como Deus o suportou no passado e como o sustentava agora. Portanto,
depois de exibir confiança no Senhor, ele leva agora o povo a declarar sua
gratidão a Deus e se preparar para louvá-lo na sequência da sua atuação em prol
dos servos. Consequentemente, eles proclamam (v.5): “Celebremos nós pelo
teu livramento e icemos a bandeira pelo nome do nosso Deus”.
Só então, depois de escrever um salmo, reunir o povo e levá-los a orar a
Deus pedindo proteção e vitória para o rei e seu exército, é que os
preparativos para a guerra encontram oportunidade de acontecer. A lição parece
ter-se perpetuado, pois, Josafá – mais de um século depois, ao receber a
notícia de que três exércitos se aproximavam por um caminho inesperado e sem
defesas (2Cr 20), estando a menos de um dia de Jerusalém –, em lugar de
se desesperar e correr atrás dos preparativos para a guerra, em primeiro lugar,
se dobrou em oração perante o Senhor e levou o povo a fazer o mesmo (2Cr
20.3,4). O resultado foi uma vitória fantástica (2Cr 20.22-25).
Que exemplos como esses nos ensinem e nos motivem a buscar Deus, não
apenas “apesar da falta de tempo”, mas, principalmente “por
causa da falta de tempo”. Afinal, qual é o preparativo ou a providência que não
vêm das mãos daquele que é soberano sobre tudo e que cuida com amor e zelo
daqueles que lhe pertencem?
Pr. Thomas Tronco (www.igrejaredencao.org.br)