Estando em sua “prisão” cinco estrelas, Lutero ouviu falar de três pregadores que tinham saído da cidade de Zwickau e ido a Wittemberg, quartel general do reformador, onde passaram a disseminar heresias, dizendo que conheciam pessoalmente o Espírito Santo e que Deus lhes falava diretamente, dando-lhes revelações especiais. Um deles afirmava que o anjo Gabriel havia lhe prometido um trono celeste.
Lutero, bastante irritado, não hesitou. Saiu do castelo e foi à Wittemberg, onde confrontou os tais profetas. A certa altura, depois de reprová-los rigorosamente, os hereges começaram a gritar em alta voz, clamando: “Espírito! Espírito!”. Lutero, sentado numa cadeira, ficou a observá-los em silêncio, até que exclamou algo mais ou menos assim: “Esse espírito que vocês invocam, se eu o vir, dar-lhe-ei um tabefe no meio do focinho”.
Eu fico imaginando a reação histérica que aqueles malucos tiveram quando ouviram isso. Se bem que não devem ter tido muito tempo para escândalos. A resistência de Lutero fez com que logo deixassem Wittemberg, ficando a cidade livre daqueles safados de uma vez por todas.
Quando ouvimos essa história algumas perguntas eventualmente surgem na nossa cabeça. Eu as formularia assim: como Lutero sabia que o espírito que movia aqueles homens não era o Espírito Santo?; como ele pôde ser tão ousado ao ponto de zombar do espírito que eles invocavam?; será que Lutero não correu o risco de blasfemar ao dizer o que disse?
Diante dessas questões, muita gente hoje em dia, crendo em todos os mitos que atualmente desfiguram a igreja e o evangelho, não hesitaria em encher Lutero de pedradas. Eu, da minha parte, faço exatamente o contrário. Creio que, nesse episódio, o reformador honrou grandemente o Espírito Santo, impedindo com todo vigor e ousadia (além de certa medida de humor) que aqueles desvairados atribuíssem à Santíssima Terceira Pessoa da Trindade obras tão insanas, gestos tão enlouquecidos e mentiras tão deslavadas.
Digo isso com segurança por uma razão bem simples: é fácil, na verdade muito fácil, saber como é a obra do Espírito Santo na vida de alguém. O crente que estuda a Bíblia vai lembrar que Jesus, por ser o Messias (isto é, o Ungido), viveu todos os seus dias de ministério terreno sob a unção do Espírito Santo (Mt 3.16). De fato, o Espírito o conduzia, o acompanhava, o “dominava” e o habilitava na realização de todo o seu trabalho (Mt 4.1; Lc 4.14).
No fim, qual era o efeito disso? Nosso Senhor gritava, dançava, rodopiava, caía no chão, balbuciava palavras sem sentido, profetizava futilidades? Não. A vida sob a unção do Espírito Santo não provocava nada disso. Os efeitos eram outros. Sob o impulso do Espírito, nosso Senhor pregava a justiça, agia com discrição e ajudava os fracos (Mt 12.18-21). Sob o poder do Espírito ele evangelizava os pobres, curava os quebrantados de coração, libertava os cativos do diabo e dava vista aos cegos (Lc 4.18-20). Aliás, mesmo quando curava enfermos ou expulsava demônios pelo poder do Espírito (Mt 12.28), Jesus jamais transformava isso em espetáculos, mas se retirava discreto, evitando aplausos, aclamações e shows (Mt 12.15,16).
Ora, em ninguém mais na história humana o Espírito Santo esteve tão atuante como na pessoa de Jesus de Nazaré (Jo 3.34), de forma que temos nele um modelo singular, um padrão de como vive e age o homem que está sob o poder do Parácleto prometido.
Tendo agora esse padrão único em mente, voltemos nossos olhos para os evangélicos de hoje que dizem ter a força do Espírito Santo ou que dizem ser tomados por ele em algumas ocasiões. O que vemos nessa gente? Vou dizer o que vemos. Vemos o que Lutero viu naqueles falsos profetas, além de muitas coisas piores. Vemos gente dando gargalhadas ao ponto de rolar no chão; vemos pessoas imitando bêbados (com base emAt 2.13!); vemos mulheres com o rosto desfigurado, se contorcendo, gritando e rodopiando durante os cultos; vemos jovens uivando, latindo e rosnando como animais; vemos homens em transe, com o rosto em terra; vemos gente se debatendo, balbuciando frases desconexas e profetizando invenções.
Muitos crentes, observando essas coisas, ficam com medo e com o coração cheio de dúvidas, pensando: “E se isso for mesmo de Deus?”. Senhor! Será que a vida de Jesus não nos ensina nada? Aquele a quem o Pai concedeu o Espírito sem limitações (Jo 3.34) mostra como é o viver sob a força que vem do Alto. Se aprendêssemos com seu exemplo no mesmo grau que Lutero e os demais reformadores, olharíamos para os desatinos evangélicos que nos cercam e diríamos sem temor: “Esse espírito que vocês invocam, se eu o vir, dar-lhe-ei um tabefe no meio do focinho”.
Pr. Marcos GranconatoSoli Deo gloria